Capítulo 69 - Letra "f" do inciso IV do art. 5º - Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas

Capítulo 69- Letra f do inciso IV do art. 5º O presente tipo remete à disposição contida no inciso XXI do art. 37 da CF que determina que os contratos administrativos devem conter “cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta.” Trata-se de uma das fraudes mais usuais na execução dos contratos administrativos. É esse tipo delituoso a forma que se utiliza para exacerbar os preços e modificar as condições desses contratos, mediante os célebres aditivos que favorecem, enorme e continuadamente as pessoas jurídicas contratantes, em detrimento do interesse público. De tal prática fraudulenta, decorrente do concurso da pessoa jurídica e do agente público encarregado da execução do contrato administrativo, de que resulta o aumento dos preços contratados, que chegam a dezenas de vezes daquele ajustado, a que se somam as sucessivas dilações dos prazos de conclusão das obras, da entrega dos serviços e dos fornecimentos. São várias as cláusulas mais atingidas dos contratos administrativos que, praticamente todos eles, apresentam esse tipo de fraude: (i) o valor contratado, (ii) as condições de pagamento, e os prazos de sua conclusão que, inclusive, muitas vezes não ocorrem, como se pode ver das obras públicas inacabadas ou nunca concluídas, além daquelas abandonadas. É o caso, v.g. da Ferrovia Norte-Sul, da Transposição do Rio São Francisco, das obras do Metrô nas capitais dos Estados, nas obras de saneamento básico, etc. Mesmo naqueles contratos administrativos, cujo objeto é concluído pode se contar em quase todos, para não dizer todos, com alguma fraude praticada na sua execução, em termos de modificações no seu objeto, inclusive quanto à qualidade, ao preço e às condições de execução (medições fraudulentas) e suas sucessivas prorrogações. Essas situações, na maioria das vezes, levam ao abandono da contratação. Esse tipo de delito corruptivo contra o interesse coletivo é notório sobretudo pela devastação que causa aos recursos públicos, exauridos pela manipulação criminosa dos termos do contrato administrativo e de sua fraudulenta execução. Representa, com efeito, esse tipo de fraude o mais importante fator de desperdício dos recursos escassos do Estado, seja pela referida exacerbação geométrica dos preços, seja pela delonga na sua entrega, seja pela sua não entrega, o que ocorre, de uma forma ou de outra em todas as obras, fornecimentos e serviços contratados com o Poder Público. Ressalte-se a qualidade das obras, dos serviços e dos fornecimentos objeto dos contratos administrativos, que é rebaixada aos menores níveis, face às fraudulentas medições e fiscalizações realizadas ou quase sempre não realizadas pelos agentes públicos, em amplo concurso com as pessoas jurídicas que os adjudicaram. O objeto jurídico do processo penal-adminstrativo nesta espécie delituosa é o Poder Público, atingido na sua moralidade. O sujeito ativo é a pessoa jurídica que adjudicou o contrato administrativo, seja individualmente, seja como integrante de consórcio. O sujeito passivo é o Estado. A consumação de delito corruptivo se dá pela existência de qualquer vantagem ou benefício contratual ilícito obtido pela pessoa jurídica fora dos estritos termos iniciais do contrato administrativo decorrente da adjudicação. O delito é formal, de mera conduta, como de resto o são todos os demais tipos objetivos instituídos na presente Lei. O presente tipo objetivo se refere à vantagem ou ao benefício obtidos administrativamente na execução do contrato administrativo e não à vantagem ou ao benefício econômico-financeiro obtidos, o que caracterizaria um delito de resultado. Bastam as alterações das cláusulas do contrato administrativo e de seus aditivos, para se consumar o delito corruptivo ora tipificado. Insista-se neste ponto. A fraude é contratual, ou seja, decorrente do desvio das suas cláusulas para, assim, desviá-las de sua causa e de seu objeto, visando favorecer ilicitamente a pessoa jurídica. Aí se configura o delito corruptivo. Não se trata, com efeito, de se perquirir ou demonstrar que da fraude resultou efetivo benefício econômico-financeiro para a pessoa jurídica contratante, típico dos delitos de resultado. Mesmo porque esse benefício ou vantagem econômico-financeiro pode não se efetivar por diversos fatores intrínsecos ou extrínsecos à própria fraude. Em verdade, a fraude perpetrada no concurso agente público/pessoa jurídica pode até precipitar prejuízos para esta em termos de desorganização dos serviços, corrupção interna, desvio de atividades, etc., que são capazes, inclusive, de levá-la à própria falência, como, às vezes, ocorre. Será, portanto, absolutamente irrelevante, para os efeitos da condenação no devido processo penal-administrativo, a alegação que da fraude não resultou nenhum benefício material, ou seja, econômico-financeiro para a pessoa jurídica fraudadora do contrato administrativo respectivo. Constitui delito de conduta e não de resultado, como reiterado. O resultado econômico-financeiro da fraude é desconsiderado, em se tratando, de um delito formal, de mera conduta, como são todos os instituídos na presente Lei. O benefício ou a vantagem se situam precipuamente no campo da fraude contratual contra o bem jurídico representado pelo Estado. É delito perpetrado na específica desconsideração das bases essenciais do contrato administrativo que são a prevalência absoluta do interesse público e da precípua posição dominante do Poder Público no que respeita à execução e à interpretação das cláusulas contratuais-administrativas. A fraude no presente tipo objetivo decorre da prática de atos de ofício do agente público em concurso com a pessoa jurídica na execução do contrato administrativo, contrariamente às causas e às finalidades de suas cláusulas de natureza pública. Trata-se de fraude contratual na esfera do Poder Público e que se verifica pela utilização de meios que iludem os termos e as condições dos editais de concorrência e no próprio contrato administrativo, fazendo-o mediante atos de ofício que o “interpretam” e o executam conforme os interesses da pessoa jurídica adjudicada, mediante justificativas ilícitas que procuram encobrir o delito corruptivo perpetrado. O tipo objetivo ora estudado caracteriza como fraudulentos os atos de ofício que deixam de observar os princípios da estrita legalidade e da contida discricionaridade na execução e na fiscalização dos contratos administrativos adjudicados a pessoas jurídicas, tendo como indeclinável referência as leis aplicáveis, as normas constantes dos editais da licitação ou do leilão e os termos e as condições constantes do próprio contrato adminis trativo. Assim, a não observância estrita dos requisitos constantes das leis e dos regulamentos aplicáveis é objetivamente considerada como fraude contratual em detrimento do bem jurídico, tutelado pelo Estado.

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