Capítulo 75 - Princípio da finalidade da lei - Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas

Capítulo 75- Princípio da finalidade da lei Fala-se aqui da intentio legis na sua aplicação pelos agentes públicos, não apenas nos atos administrativos que praticam como na formulação dos regulamentos de sua aplicação. Toda lei tem por objeto intervir nas relações sociais, coletivas e pessoais para, assim, trazer para o mundo jurídico as respectivas demandas, seja como remédio para situações criadas, seja para aquelas projetadas. Não há lei sem uma justificativa plena e explícita para a sua inserção no ordenamento jurídico. E essa justificativa é não apenas o motivo de sua criação como também e, sobretudo, o vínculo que se impõe ao agente público que tenha o encargo funcional de interpretá-la, aplicá-la, impô-la e executá-la, mediante ato administrativo ou judicial por ele exarado. Desse modo, o princípio da finalidade é intrínseco àquele da legalidade. Não basta ao agente público aplicar formalmente a lei, visando respaldar ato de ofício. Deve ele necessariamente aplicá-la de acordo com sua precípua finalidade social e no justo limite de seu endereçamento. Não pode, assim, o agente público, na aplicação de deter- minada lei, mediante ato administrativo, regulamentar ou judicial, desviá-la da finalidade para a qual foi promulgada, visando atender interesses de determinadas pessoas físicas ou jurídicas ou grupo delas. Este ponto é fundamental. O princípio da finalidade não se refere somente à interpretação da lei pelo agente público, diante de determinada circunstância ou fato, ou seja, diante do caso concreto, como também na regulamentação da lei que deve necessariamente refletir a intentio legis. Desse modo, ocorrem o abuso e o desvio de finalidade, não só pela conduta ilícita de determinado agente público mediante ato administrativo no caso concreto, mas também quando edita as respectivas normas regulamentares. Verifica-se, nesta última hipótese, de abuso e desvio institucional da finalidade da lei, mediante o favorecimento delituoso a algum jurisdicionado, com a edição de decreto, regulamento, portaria, editais e demais formas de normatização interna da ad ministração pública. Daí resulta a aplicação da lei em benefício próprio (do agente público) ou de terceiros – pessoas físicas e jurídicas –, agora num concurso delituoso entre a beneficiária privada e os agentes públicos do ente expedidor dessas regras administrativas abusivas. Trata-se, portanto, de uma forma institucional, como referido, de abuso e desvio finalidade da lei, visando beneficiar alguém que deseja contornar o seu sentido abstrato e isonômico para obter um privilégio ilícito. Assim, não basta perquirir apenas a conduta pontual do agente público ao praticar ato administrativo no caso concreto, mas, também, o desvio de finalidade da lei, mediante sua interpretação normativa ilícita, visando, em concurso, ao favorecimento ilícito da pessoa jurídica interessada. É o caso clássico, v.g. dos editais de concorrência ou de leilão que, embora invocando a legislação pertinente, estabelecem requisitos de habilitação excessivos para, assim, restringir a presença de interessados em participar do certame. Tal prática, aparentemente rigorosa da lei, visa exatamente a distorcê-la a favor de pessoas jurídicas e seus consórcios, infringindo o princípio da isonomia que deve resultar da aplicação administrativa da lei. Trata-se de prática delituosa largamente utilizada por agentes da administração púbica, e que constitui um dos tipos objetivos instituídos no referido art. 5º, IV da presente Lei.

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