Capítulo 112 - Normas inaplicáveis ao pacto de leniência - Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas

Capítulo 112- Normas inaplicáveis ao pacto de leniência Pelo fato do legislador, de maneira bisonha, transcrever literalmente os procedimentos próprios do pacto de leniência na área dos cartéis, constantes da referida Lei do Cade de 2011 – que, por sua vez, transcreveu literalmente os procedimentos da legislação antitruste norte-americana sobre a matéria – existem algumas regras canhestras na presente Lei que devem ser consideradas não escritas face à sua inaplicabilidade à pactuação do acordo de leniência tratado no Capítulo V. O inciso Ido § 1º do art. 16 fala que “a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para apuração do ato ilícito”. Esse procedimento se aplica em matéria de cartéis nada tendo a haver com a presente Lei. Assim é que no mundo delitivo dos cartéis, o pressuposto absoluto é que haja pelo menos duas ou mais empresas cartelizadas. Nessas societas sceleris a lei antitruste beneficia apenas a primeira empresa componente do clube delitivo disposta a trazer provas contra os demais membros do cartel. O contexto da presente Lei é inteiramente outro. Se no caso dos cartéis o concurso se dá necessariamente entre duas ou mais empresas em dano ao mercado, aqui o concurso delitivo se dá entre uma pessoa jurídica e um agente público. A conduta corruptiva se configura desde logo entre essas duas entidades delitivas (pessoa jurídica e agente público). Isto posto, como configurar esse ridículo requisito: “a pessoa jurídica seja a primeira”? O segundo “requisito” (inciso II do § 1º do art. 16) é igualmente inaplicável: “a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo”. Até a tradução desse dispositivo da Lei antitruste norte-americana está mal ajambrada. Trata-se evidentemente de matéria de cessação de prática anticoncorrencial de cartel, ou seja, compromisso de que a pactuante se retire da associação delituosa no caso concreto; que renuncie sua participação nas práticas cartelizadas desse mesmo clube, passando, em seguida a denunciar os seus demais membros. Ocorre que a conduta corruptiva não pressupõe formação de cartel, embora esteja ele compreendido como uma dentre outras condutas, tipificada no inciso IV, letra a do art. 5º da presente Lei. Fora do cartel, impossível configurar a “cessação” da conduta corruptiva, pois ela pode ter sido pontual ou continuada, e ter se dado no passado recente (prescrição) e/ou no presente. Ridículo imaginar que a pessoa jurídica que requer a pactuação se comprometa a não mais se conduzir corruptamente perante o Poder Público, como se esse propósito formal bastasse para se firmar o acordo. Já o inciso III do § 1º do art. 16 prossegue no rosário absurdo das inadaptações impensadas dos requisitos próprios da Lei Antitruste brasileira. Diz o infeliz inciso III do § 1º do art. 16 que para celebração do pacto “a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito (...)” 1 Esse dispositivo refere-se sempre ao cartel a que, no caso concreto, pertenceria a pessoa jurídica. Não é o caso da presente Lei, em que o delito corruptivo não pressupõe nenhuma participação em delito colegiado, podendo ser praticado por uma única pessoa jurídica em concurso com o agente público. E essa norma bizarra ao contexto da presente Lei, expressa no referido inciso III do § 1º do art. 16, não pode ser interpretada como confissão do delito corruptivo, pois falta-lhe a literalidade necessária no caso presente. A norma de confissão deve ser expressa, explícita e cabal quanto aos seus efeitos, o que não existe nesse infeliz dispositivo, que mais serve para mostrar o despreparo, a desmotivação e o açodamento do legislador nessa matéria, como em tantas outras encontradas na presente Lei, como, v.g., aquela da competência processante outorgada à “autoridade máxima”. Isto posto, não é verdade que a assinatura do pacto de leniência pela pessoa jurídica ré no processo penal-administrativo importa numa confissão ficta do delito corruptivo. Pode ela requerer o regime de leniência para o fim de, oferecendo provas contra outras pessoas jurídicas ou outros agentes públicos, demonstrar objetivamente que a conduta corruptiva é das outras e não dela. Poderá, com efeito, o acordo lenitivo constituir meio de prova e, portanto, de defesa da pessoa jurídica no processo penal-administrativo, sobretudo, no que respeita à não consumação do delito corruptivo no que se refere a ela própria e, sim, na sua efetiva consumação pelas demais pessoas jurídicas, com base nas provas apresentadas pela pactuante no caso concreto. Em suma. Tal situação pode, com efeito, ocorrer. A pessoa jurídica ré pode provar com base nas evidências que trouxe para os autos com respeito a outras pessoas jurídicas e a outros agentes públicos, que a conduta corruptiva se consumou com respeito as demais pessoas jurídicas por ela apontadas por meio de provas confiáveis e, ipso facto, não se consumou com respeito a ela própria. Isto posto, conclui-se que constituem normas não escritas as constantes dos incisos I, II e III do § 1º do art. 16, por serem inaplicáveis a todos os delitos corruptivos instituidos na presente Lei, na medida em que se referem especificamente ao delito de cartel. Desse modo, não devem ser considerados pela autoridade correcional ou disciplinar competente para negociar e firmar o pacto de leniência os três referidos incisos por inaplicáveis aos delitos corruptivos objeto da presente Lei. Isto porque são incompatíveis e ao mesmo inócuas à sua finalidade que é de, como reiterado, expurgar do Poder Público os agentes políticos, administrativos e judiciários corruptos e penalizar e tornar inidôneas as pessoas jurídicas que em concurso com os primeiros se conduzem corruptivamente nas suas relações legais e contratuais com o Estado.

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