2.1 Acepções do vocábulo

2.1 Acepções do vocábulo Etimologicamente, a palavra princípio provém do grego arkhè (αρχή, arch), equivalente ao latim principium (de princeps, aquele que ocupa o primeiro lugar); em inglês, principle, em francês, principe, em alemão Prinzip (e também Grundsatz, conforme a raiz germânica), em italiano, principio. Uma acepção bastante familiar, ligada à criação do Mundo, é a encontrada na Bíblia (João 1:1-3), que diz: In principio erat il Verbo (= “no princípio era o Verbo”). E, também: ego Alpha et Omega primus et novissimus principium et finis (= “Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o derradeiro, o princípio e o fim” – Apocalipse 22:13). É frequente e variado, tanto na linguagem vulgar quanto na científica, o em prego do vocábulo “princípio”, no singular, e também de “princípios”, no plural. Trata-se de termo equívoco e, em certos casos, análogo. Vale a pena, pois, transcre ver alguns dos diversos significados atribuídos ao vocábulo, em ambas as formas, segundo alguns dicionários. O Black’s Law Dictionary define princípio de forma exageradamente simples: “A basic rule, law or doctrine”. 1 Aprofundando o significado do conceito, pode-se constatar que princípio é o ponto de partida do estudo de qualquer ciência, no sentido aristotélico. 2 Para Descartes, o uso dos princípios na constituição de um sistema de pensa mento, que tem origem na Filosofia ou em qualquer Ciência, traz consigo o seguinte problema: ou um princípio “regula” o sistema de leis, ou o determina. No primeiro caso, o princípio é uma hipótese, órgão neutro destinado a con ferir um sentido não realista à descrição dos fenômenos físicos. No segundo caso, a transcendência se insere no julgamento. Segundo Kant, quando a razão se utiliza dos princípios determinantes é que entra em conflito consigo mesma. Por sua natureza, o princípio se encontra, portanto, sempre situado entre a síntese das leis e a produção de suas condições de possibilidade. 3 Mais geralmente, “chamam-se princípios de uma ciência o conjunto de proposições diretrizes, ou características, às quais todo desenvolvimento ulterior deve estar subordinado”. 4 O Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 5 de Aurélio Buarque de Holanda, por exemplo, fornece as seguintes acepções: Princípio. [do latim principiu]. S.m. 1. Momento, local ou trecho em que algo tem origem; começo; o princípio de um incêndio; o princípio da estrada já está pavimentado. 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. Base, germe: O garoto tem em si o princípio da rebeldia. 6. Filos. Fonte ou causa de uma ação. 7. Filos. Proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável. [São princípios os axiomas, os postulados, os teoremas etc. Cf. princípio, do verbo principiar]. Princípios. S.m.pl. 1. Rudimentos. 2. Primeira época da vida. 3. Bibliogr. V. folhas preliminares. 4. Filos. Proposições diretoras de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa 6 encontram-se os seguintes significados e explicações: Princípio s.m. 1 o primeiro momento da existência (de algo) ou de uma ação ou pro cesso; começo, início . 2 o que serve de base a alguma coisa; causa primeira, raiz, razão 3 ditame moral; regra, lei, preceito 4 dito ou provérbio que estabelece norma ou regra 5 proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos 5.1 FÍS lei de caráter geral com papel fundamental no desen volvimento de uma teoria e da qual outras leis podem ser derivadas 6 proposição lógica fundamental sobre a qual se apoia raciocínio (partir de um p. falso) 7 FIL.fonte ou causa de uma ação 8 FIL. proposição filosófica que serve de fundamento a uma dedução. O Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano, 7 define e explica princípio como: [...] ponto de partida e fundamento de um processo qualquer. Os significados “ponto de partida” e “fundamento” ou “causa” estão estreitamente ligados na noção desse termo, que foi introduzido na Filosofia por Anaximandro de Mileto; 8 a ele recorria Platão 9 com frequência, no sentido de causa do movimento ou de fundamento da demonstração. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) foi o primeiro a enumerar completamente seus significados. Entre os significados de princípio enumerados por Aristóteles, 10 destacam-se os seguintes: • ponto de partida de um movimento, por exemplo, de uma linha ou de um caminho; • melhor ponto de partida, como o que facilita aprender uma coisa; • ponto de partida efetivo de uma produção, como a quilha de um navio ou os ali cerces de uma casa; • causa externa de um processo ou de um movimento, como um insulto que provoca uma briga; • aquilo que, com sua decisão, determina movimentos ou mudanças, como o governo ou as magistraturas de uma cidade; • aquilo de que parte um processo de conhecimento, como as premissas de uma demonstração. Além disso, para Aristóteles, “causa” também tem os mesmos significados, pois todas as causas são princípios. Assim, na noção filosófica clássica, princípio é ponto de partida do ser, do dever ou do conhecer. Modernamente, nos campos da Lógica e da Matemática, costuma-se utilizar, em lugar de princípio, os vocábulos axioma ou postulado, que designam teoremas particulares, de fundamental importância para o desenvolvimento de um sistema simbólico que se deseje estudar. E, para Peirce, princípio guia (leading principle) é o princípio que “se deve supor verdadeiro para sustentar a validade lógica de um argumento qualquer”. 11 Desde logo, portanto, verifica-se que as acepções referidas podem ser classi ficadas em dois grandes grupos, as vulgares (ou comuns) e as cultas (ou científicas, ou, ainda, técnicas). Na linguagem comum, princípio contrapõe-se a encerramento, fim, término. Interessa-nos, neste trabalho, no entanto, examinar o vocábulo – e o conceito, certamente – somente em suas acepções científicas. 12 José Ferrater Mora 13 observa que existem dois modos de entender o termo “princípio”, segundo os escolásticos: (a) o princípio como realidade, principium essendi, o princípio do ser; e (b) o princípio como razão, principium cognoscendi, o princípio do conhecimento. Para essa escola de pensamento filosófico, “princí pio é aquilo de onde algo procede”, podendo este “algo” pertencer à realidade, ao movimento, ou ao conhecimento. Na linguagem técnico-científica, contudo, o vocábulo “princípio” é conside rado indeterminado, 14 pois não fornece indicação precisa sobre o papel lógico da proposição que se considera, o que se verifica, por exemplo, nos campos da Mate mática (em que tanto pode referir-se a axioma quanto a teorema), e da Física (em que pode ser empregado tanto para designar generalização sobre fatos experimentais quanto como para significar resultado obtido por meio de dedução). E, para Miguel Reale, princípios são “verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”. Ou então, às vezes, denominam-se princípios “certas proposições que, apesar de não serem evi dentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários”. 15 Uma vez que a Ciência busca aclarar incertezas, é necessário aprofundar o estudo da palavra princípio, já que, reafirmamos, é termo equívoco ou análogo (ou, ainda, polissêmico), isto é, suscetível de ser empregado em mais de um sentido, sendo certo que todos os sentidos estão ligados por pelo menos um ponto comum (inclusive com o sentido vulgar). Assim é que a noção de princípio estará sempre ligada à de ponto de partida. Deve ser notado, no entanto, que a recíproca não é verdadeira, ou seja, nem sempre um ponto de partida será um princípio, já que poderá ser reduzido a prin cípios anteriores (os chamados primeiros princípios). Toda e qualquer ciência está alicerçada em princípios, que são proposições básicas, fundamentais e típicas, as quais condicionam as estruturações e desenvolvimentos subsequentes dessa ciência. GARNER, Bryan A. (ed.). Black’s Law Dictionary. 8. ed. St. Paul, MN, Thomson West, 2004. p. 1231 (= uma regra, lei ou doutrina básica, em trad. nossa). BLAY, Michel (dir.). Dictionnaire de Concepts Philosophiques. 2. ed. Paris: Larousse – CNRS Éditions, 2007. p. 636. BLAY, Michel (dir.). Dictionnaire de Concepts Philosophiques. 2. ed. Paris: Larousse – CNRS Éditions, 2007. p. 637. LALANDE, André. Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie. 5. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1947. p. 808. HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. 16. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1393. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 1552. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 792-793. . Filósofo jônico, nascido em Mileto (ca. 610 a.C.-547 a.C.); fez do indeterminismo infinito o princípio de todas as coisas. Filósofo ateniense (ca. 428 a.C.-ca. 347 a.C.), discípulo de Sócrates (ca. 469 a.C.-399 a.C.). Distinguindo o saber da opinião e o mundo das ideias e da verdade do mundo sensorial, elaborou uma filosofia idealista, em que articula, em especial, uma teoria do ser e da natureza, com uma teoria da língua e da política. Em 387 a.C., fundou, em Atenas, a escola de Filosofia denominada “Academia”. Filósofo macedônio, nascido em Estagira (384 a.C.-322 a.C.), preceptor de Alexandre, o Grande (356 a.C.-323 a.C.) e fundador da escola peripatética. Seu sistema se baseia em uma concepção do universo onde a diversidade daquilo que o constitui exprime uma unidade, que o filósofo, dotado de saber enciclopédico, deve demonstrar, com um discurso rigoroso. Aristóteles, considerado o fundador da lógica formal, e autor de inúmeros tratados sobre a matéria, além de obras a respeito de Política, de História Natural, de Física e de Metafísica, influenciou a Filosofia e a Teologia da Idade Média, no Ocidente, e diversos filósofos, no Oriente. PEIRCE, Charles Sanders. Collected Papers. Londres: Charles Hartshorne & Paul Weiss, 1931-35. v. III, p. 168. Por científico, entende-se aquilo que é relativo à Ciência. Cabe, então, buscar uma definição de Ciência. Definimos Ciência como “o conjunto organizado e sistemático de conhecimentos relativos a determinado objeto, de validade universal, integrados em uma unidade coerente, obtidos por métodos experimentais, dedutivos e/ou indutivos, que lhe são próprios”. Abrangente a definição de José Ferrater Mora (Diccionário de Filosofia. Buenos Aires: Sudamericana,. 5. ed. 1965. t., p. 284): “Ciência é um modo de conhecimento que aspira a formular, mediante linguagens rigorosas e apropriadas – quando possível, utilizando a linguagem matemática – leis, por meio das quais se regem os fenômenos”. Ibidem, t. II, p. 480. CRETELLA JÚNIOR, José. Filosofia do direito administrativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 43. REALE, Miguel. Filosofia do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1969. 1º v. p. 54.

Fundamentos Principiológicos do Processo Civil

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