6. Reconhecimento de perempção, litispendência ou coisa julgada (inc. V)

6. Reconhecimento de perempção, litispendência ou coisa julgada (inc. V) 6.1. Introdução Inseridas entre os pressupostos processuais objetivos intrínsecos, a constatação de perempção, litispendência ou coisa julgada material determinam a prolação de sentença sem resolução do mérito. 6.2. Perempção A todo cidadão é assegurado o acesso à jurisdição, mas o Poder Judiciário não pode ficar à mercê do litigante desidioso. Assim, se algum demandante abandonar o processo por três vezes, nos termos do art. 486, § 3.º, estará impedido de intentar nova ação, lastreada nos mesmos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) em face do mesmo réu. A ação do autor restou perempta. A perempção é ocorrência de natureza processual que atinge apenas a ação, restando incólume o direito deduzido, que poderá ser arguido como matéria de defesa (art. 486, § 3.º, CPC), ou, em última análise, ser voluntariamente satisfeito pelo obrigado. Frise-se que, também sob a égide do novo CPC, a citação válida excepcionalmente não é interrompida quando extinta a fase de conhecimento com fundamento na perempção. De fato, à luz do diploma processual revogado, “o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a citação válida, excepcionando-se as causas do art. 267, II e III, do CPC [1973], interrompe a prescrição. Desta forma, apenas em raros casos a citação válida não interrompe a prescrição. Um deles é a perempção, fenômeno processual resultante da extinção do processo, por três vezes, por negligência do autor que, não promovendo os atos e diligências que lhe competirem, abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias (art. 267, III, CPC [1973]). O outro ocorre quando ficar o processo parado durante mais de 1 ano por negligência das partes (art. 267, II, da norma processual)”. 1 6.3. Litispendência 6.3.1. Conceituação A litispendência, a seu turno, consoante a imprecisa redação do art. 337, § 1.º, do CPC, é verificada quando houver reprodução de ação anteriormente ajuizada. Inadmissível afigura-se a coexistência de dois processos entre as mesmas partes e que tenham o mesmo objeto. O art. 337, VI, confere ao réu a exceção de litispendência para o fim de evitar, a um só tempo, a duplicação de esforços dos integrantes do processo e a contradição das decisões. Assinala destarte a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Mandado de Segurança 3.569-DF , relatado pelo Ministro Milton Luiz Pereira, que: “Anotada a repetição, com igual finalidade, da causa de pedir e, identificadas as mesmas partes, ocorrente a litispendência, o processo deve ser extinto”. 2 Detectada, pois, a repetição da demanda, à luz do critério da tríplice identidade, coloca-se termo ao processo posterior, de ofício (§ 5.º do art. 337) ou por provocação do réu, mediante exceção de litispendência. 6.3.2. Reconhecimento no processo coletivo Exemplo atual desse fenômeno pode ser extraído da seguinte situação: em razão da prodigalidade que tem inspirado o nosso legislador em matéria de tutela dos interesses coletivos e difusos, é bem ver que, mesmo após a entrada em vigor do CDC, a teor do inc. II do art. 1.º da Lei 7.347/1985, a ação civil pública continua a servir como instrumento de defesa do consumidor. Assim, a despeito da tutela específica do consumidor encontrar-se inserida no apontado diploma, ocorre uma duplicidade de instrumentos processuais que se prestam à defesa dos direitos deste. Suponhamos, assim, que uma determinada associação legitimada ajuíze uma ação com base no CDC e, em seguida, o Ministério Público intente ação civil pública visando ao mesmo fim. Parece-nos evidente que o réu, na segunda demanda, poderá arguir a referida exceptio. Pergunta-se: há tríplice identidade entre as mencionadas ações, isto é, na promovida pela associação legitimada, com arrimo no CDC, e na ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público? A resposta deve ser positiva, uma vez que, além da identidade de causa de pedir e de pedido, as partes também são as mesmas, tendo-se em vista a relação de direito material, pouco importando, no caso concreto, o legitimado ao ajuizamento da demanda. Deve ser feita, nesse passo, a distinção entre parte em sentido substancial e parte em sentido processual. 3 O segundo processo, portanto, deverá ser encerrado. 6.3.3. Identidade dos elementos da demanda A operação lógica a ser desenvolvida pelo juiz, nestas situações, deve ter como ponto de partida o cotejo dos elementos da demanda anterior, ainda pendente, com os daquela sucessiva. Constatada a identidade dos tria eadem, partes, causa petendi e petitum, o processo da segunda ação não poderá prosseguir, devendo ser proferido ato decisório sem julgamento do mérito. Interessam à compreensão dessa temática os termos de julgado da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.423.063-DF, relatado pelo Ministro Benedito Gonçalves, 4 no qual foi reconhecida a litispendência em virtude de ter sido detectada a identidade da pretensão deduzida pelo contribuinte por meio de dois diferentes meios processuais. Concluiu então a turma julgadora que: “Há litispendência quando a pretensão consistir na repetição de indébito de tributo idêntico, mas por modos de pagamentos distintos, ou seja, uma se pede a restituição via precatório e na outra, via compensação. Isso porque, nos termos do art. 66 da Lei 8.383/1991, havendo sentença que condena a Fazenda Pública a devolver um tributo pago indevidamente, o contribuinte pode, em vez do precatório, preferir a compensação”. 6.3.4. Exame da litispendência nos domínios do STJ Como se infere de vários precedentes, o Superior Tribunal de Justiça normalmente se posiciona no sentido de que a revisão do acórdão que reconheceu a litispendência implica reexame do material probatório, não se viabilizando no âmbito do recurso especial. Secundando esta tese, v.g., a 2ª Turma, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 7.950-SC, de relatoria do Ministro Castro Meira, 5 teve oportunidade de assentar que: “A modificação do decisório pretendida pela recorrente, no sentido de afastar a litispendência e a coisa julgada com base no que dispõem os §§ 1.º e 3.º do art. 301 do CPC [1973], demandaria o revolvimento das circunstâncias fático-probatórias dos autos, o que é vedado nos estreitos limites do apelo raro, ante o óbice da Súmula 7/STJ”. Nesse julgado, ficou vencido o Ministro Cesar Asfor Rocha, com importante argumento exposto em voto-vista e que vale ser parcialmente transcrito: “É possível o exame da litispendência e da coisa julgada no âmbito do recurso especial na hipótese em que a questão posta é de direito e está prequestionada, ensejando, no máximo, o exame de peças processuais constantes de outros processos, cujas cópias foram juntadas nos autos, porque, no caso, o simples reexame de peças processuais como petição inicial, sentença e acórdãos, para mera comparação, não encontra óbice no enunciado da Súmula 7 do STJ. Do contrário, esta Corte jamais poderia enfrentar a existência de coisa julgada e de litispendência, o que não parece razoável”. Esta interpretação de cunho liberal, a meu ver, é a que apresenta fundamentação mais coerente com os pressupostos de admissibilidade do recurso especial. 6.4. Coisa julgada material A mesma sorte ocorrerá com o reconhecimento da coisa julgada material, formada em precedente processo idêntico, para evitar que sobrevenha nova decisão de mérito acerca de controvérsia já encerrada. Depara-se, nesse particular, com grave problema, que compromete a segurança jurídica, quando se desconhece a precedente coisa julgada e outra sentença vem a ser proferida em sentido oposto à anterior. É exatamente por tal razão que se justifica, nesta indesejada situação, o cabimento de ação rescisória por ofensa à coisa julgada (art. 966, IV, CPC). AgRg no REsp 806.852-PR , 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, v. u., DJ 08.05.2006. V. u., DJ 05.12.1994. É evidente que, no tocante ao elemento subjetivo da demanda, a análise da identidade de partes deve considerar a qualidade jurídica pela qual o litigante se apresenta, podendo haver, no plano processual, alguma assimetria, embora ser ele o mesmo sujeito no plano do direito material, como pode ocorrer, p. ex., no âmbito da sucessão inter vivos ou causa mortis. V. u., DJe 29.06.2012. M. v., DJe 12.03.2012.

Comentários ao Código de Processo Civil: Artigos 485 ao 538

6 - Reconhecimento de perempção, litispendência ou coisa julgada (inc. V)

6. Reconhecimento de perempção, litispendência ou coisa julgada (inc. V)

6.1. Introdução

6.2. Perempção

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