4.5 - Poderes implícitos - 4 - Fontes e Limites da Competência do Árbitro para Tutelas de Urgência

4.5. Poderes implícitos Afastada a hipótese de os árbitros possuírem poderes inerentes, existe ainda outra hipótese que merece ser investigada: os árbitros eventualmente possuiriam poderes implícitos 1 para a concessão de tutelas de urgência? Os poderes implícitos, diferentemente do que ocorre com os poderes inerentes, são derivados da manifestação de vontade das partes (fonte contratual). 2 De acordo com essa teoria, as partes, ao acordarem a submissão dos seus litígios à jurisdição arbitral, estão implicitamente concedendo poderes para as tutelas de urgência. 3 Assim, os poderes implícitos são derivados de uma interpretação extensiva da convenção de arbitragem, concedendo ao árbitro todos os meios que ele precisa para decidir o litígio. 4 Melhor explicando: se as partes concedem competência para os árbitros proferirem tutelas de urgência de forma expressa (direta ou indiretamente), não há necessidade, por razões óbvias, de realizar-se interpretação extensiva. Por outro lado, se as partes o negam expressamente, tampouco existe qualquer justificativa para sua utilização. A manifestação clara de vontade das partes, em um sentido ou em outro, deve prevalecer. Do mesmo modo, não é possível a interpretação extensiva do poder concedido ao árbitro no caso de legislações que adotam o sistema de interpretação restritiva. Apenas a título exemplificativo, deve-se mencionar o caso da Lei de Arbitragem inglesa. 5 O Arbitration Act 1996, por força de previsão legal do art. 39 (1), estabelece que os árbitros não possuem poderes de forma padrão para concessão de provisional reliefs, a não ser que as partes assim decidam (opt in) de forma expressa. 6 Apenas em casos de omissão, há lugar à análise sobre a existência de poderes implícitos. 7 Mas por que se deve interpretar a omissão como concessão de competência aos árbitros, e não o contrário? A resposta é simples. Quando as partes, mediante convenção de arbitragem, expressamente concordam com a resolução final do litígio por meio de árbitros, estão implicitamente consentindo também com que os árbitros tomem todas as medidas necessárias para que a resolução final do litígio seja possível de forma efetiva. 8 Aliás, seria paradoxal, em princípio, imaginar que as partes estejam de acordo com julgamento definitivo do litígio pelos árbitros, mas sejam contrárias à possibilidade de julgar-se questões provisórias. 9 O raciocínio é que “por meio da convenção de arbitragem as partes outorgam ao tribunal arbitral todos os poderes necessários para resolver sua disputa”. 10 A diferença dos poderes inerentes e implícitos, portanto, está no fato de que o primeiro decorre simplesmente da condição (status) de árbitro; o segundo procura seu embasamento na vontade das partes. A questão dos poderes implícitos também foi discutida pelo grupo de trabalho responsável pela atual redação do art. 17 da Lei Modelo da UNCITRAL. A conclusão do grupo foi de que, salvo acordo em contrário das partes, deve-se considerar implícito o poder de concessão de tutelas de urgência. 11 Na hipótese de haver omissão das partes (seja diretamente na redação da convenção ou indiretamente por meio da escolha de regulamentos omissos) e também da lex arbitri na regulamentação do assunto, os árbitros possuirão, por meio da teoria dos poderes implícitos, competência para a concessão de tutelas de urgência em razão de interpretação da vontade das partes. O vocábulo implícito, de acordo com o Dicionário Eletrônico Aurélio, significa o “que está envolvido, mas não de modo claro; tácito, subentendido”. De forma semelhante, o Dicionário Eletrônico Houaiss fala que implícito é aquilo “contido numa proposição mas não expresso formalmente; não manifestamente declarado; subentendido, tácito”. Conforme esclarece Donald Donovan, a competência para concessão de tutelas de urgência deriva da mesma fonte contratual que dá origem ao poder de proferir sentença: “the authority to issue interim measures derives from the same source as the authority to render the award: the parties’ contractual consent to have their dispute resolved by the arbitral tribunal before which they are appearing” (cf. The scope and enforceability of provisional measures in international commercial arbitration a survey of jurisdictions, the work of UNCITRAL and proposals for moving forward, p. 82) YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, p. 56. Gary Born reporta interessante caso (Charles Construction Company v. Derderian) em que houve confusão conceitual entre poderes inerentes e implícitos, mas, na prática, pelos fundamentos, pode-se perceber o reconhecimento de poderes implícitos ao se fundamentar a decisão com base na intenção razoável das partes: “We agree in general that, in the absence of an agreement or statute to the contrary, an arbitrator has inherent authority to order a party to provide security while the arbitration is continuing. It is reasonable to assume that parties, in agreement to arbitration, implicity intended that arbitration not be fruitless and that interim orders to preserve the status quo or to make meaningful relief possible would be proper. In such a circunstance, the arbitrator’s authority to act would reasonably be implied from the agreement to arbitrate itself” (cf. International commercial arbitration, 2001, p. 927 e ss.). De acordo com Pierre Karrer, a Inglaterra tem a tradição de interpretação restritiva: “in England, the power to issue summary awards is not considered to be implied in the agreement, but English arbitration law as the lex arbitri allows the parties to agree to that effect. Thus, while English law sometimes uses the theory of implied terms, it does not resort to it in arbitration” (cf. Interim measures issued by arbitral tribunals and the courts: less theory, please, p. 98). Cf. redação do art. 39 (1), que requer a manifestação expressa das partes para que o árbitro possa conceder tutelas de urgência: “The parties are free to agree that the tribunal shall have power to order on a provisional basis any relief which it would have power to grant in a final award”. Deve-se mencionar, todavia, que para outros tipos de medidas há previsão de competência no art. 38 (2) e parágrafos seguintes: “(2) Unless otherwise agreed by the parties the tribunal has the following powers. (3) The tribunal may order a claimant to provide security for the costs of the arbitration (...). (4) The tribunal may give directions in relation to any property which is the subject of the proceedings or as to which any question arises in the proceedings, and which is owned by or is in the possession of a party to the proceedings (...). (5) The tribunal may direct that a party or witness shall be examined on oath or affirmation, and may for that purpose administer any necessary oath or take any necessary affirmation. (6) The tribunal may give directions to a party for the preservation for the purposes of the proceedings of any evidence in his custody or control”. LAPIEDRA ALCAMÍ, Rosa. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 222 e ss. Essa parece ser a opinião de Carmona ao mencionar que “para configurar tal competência não é preciso encontrar na convenção arbitral poderes expressos para proferir decisão que diga respeito a tutela cautelar. Insisto neste ponto: se as partes concederam poderes ao árbitro para resolver suas pendências acerca de um determinado contrato, para solucionar uma disputa entre sócios de determinada companhia, para estabelecer a responsabilidade pela prática de dado ato, estes poderes também envolvem os decorrentes da tutela cautelar (eventual e instrumental)” (cf. Arbitragem e processo, p. 325). Conforme se pode perceber, Carmona fundamenta esse poder na autonomia da vontade das partes, o que equivale ao uso de poderes implícitos. LAPIEDRA ALCAMÍ, Rosa. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 228. Irrepreensível a lição de Gary Born, ao afirmar que não se pode esperar de pessoas razoáveis que o mecanismo de resolução de litígios escolhido por elas seja inefetivo por ausência de proteção processual: “reasonable parties cannot be presumed to intend that their chosen dispute resolution mechanism should lack important procedural protections, or should reward dilatory tactics by one party, or should require recourse to national courts for effective relief. Accordingly, absent explicit contrary indication in the parties’ agreement, it is both sensible and necessary to presume that arbitration agreements include a grant of authority to order interim relief” (cf. International commercial arbitration, v. 2, p. 1.953). Com ampla referência doutrinária portuguesa, José Miguel Júdice afima que “as partes, ao estabelecerem na convenção de arbitragem a competência dos árbitros para dirimir o litígio em causa, estarão desde logo a atribuir, também, implicitamente aos árbitros o poder para decretarem as respectivas medidas cautelares” (cf. As providências cautelares e a arbitragem: em que estamos?, p. 12). De acordo com Julian Lew, Loukas Mistelis e Stefan Kröll, “The underlying rationale for this view is that by the arbitration agreement the parties give the tribunal the powers necessary to settle their dispute. This also includes the power to order any measure of provisional relief which is necessary to safeguard the rights of the parties and the efficiency of the tribunal’s decision making” (cf. Comparative international commercial arbitration, § 23-30, p. 592). Cf. relatório do Working Group II, A/CN 9/245, p. 162.

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