4.6 - Exclusão da competência dos árbitros - 4 - Fontes e Limites da Competência do Árbitro para Tutelas de Urgência

4.6. Exclusão da competência dos árbitros Deve-se lembrar de que a autonomia da vontade das partes não permite apenas a concessão de poderes aos árbitros, mas também a sua exclusão parcial ou total. A base dessa faculdade está no fato de que as partes são livres para decidir o escopo da convenção de arbitragem de acordo com sua autonomia da vontade. 1 Assim como as partes podem pactuar a atribuição de competência aos árbitros para tutelas de urgência arbitrais, podem acordar a sua restrição ou exclusão. 2 Mesmo que a lex arbitri preveja de forma expressa a competência dos árbitros para a concessão de tutelas de urgência, não há impedimento ou ilegalidade nenhuma na sua exclusão. 3 Da mesma forma, nada obsta a adoção de determinado regulamento arbitral em que haja a previsão de competência dos árbitros para sua concessão, mas às partes cabe decidirem fazer ressalva expressa de que não desejam a aplicação daquela regra. Muito embora esse tipo de escolha não seja comum na prática, até mesmo porque as partes geralmente desejam que os árbitros possam conceder tutelas de urgência, não se pode negar sua viabilidade teórica. 4 Restará à parte interessada a possibilidade de dirigir-se às cortes estatais para obtenção da tutela de urgência. 5 A autonomia da vontade, nesse caso, ganha relevância com a prática de um verdadeiro opt out da jurisdição arbitral para concessão de tutelas de urgência. 6 Tendo em vista a relevância que a autonomia da vontade possui no campo da arbitragem, absolutamente nada obsta essa escolha. 7 Deve-se tomar cuidado, todavia, para esse tipo de escolha não criar indesejada patologia, como a eventual exclusão de competência do tribunal arbitral em locais onde as cortes estatais não se sentem à vontade para a concessão de tutelas de urgência durante o curso do processo arbitral. Essa preocupação, apenas a título de exemplo, é notada pelas cortes estatais de Hong Kong, que, de acordo com Neil Kaplan e Robert Morgan, podem negar-se a apreciar pedidos de tutela de urgência durante o curso do processo arbitral por entenderem que a matéria está sujeita a convenção de arbitragem e o tribunal arbitral já está constituído. 8 Além do mais, caso a exclusão da competência arbitral seja parcial (apenas para determinados tipos de tutelas de urgência), há o risco real de aparecerem graves dúvidas sobre os limites da competência de cada órgão. Imagine-se a hipótese na qual as partes decidem excluir a competência dos árbitros para qualquer tipo de tutela de natureza antecipada, mantendo-a apenas para tutelas conservativas. Não se pode esquecer que há “hipóteses situadas numa ‘zona cinzenta’, ou na faixa de fron teira, onde se torna difícil saber com precisão em que território se está pisando”. 9 Tendo em vista a dificuldade, no caso concreto, de estabelecer qual tipo de medida está sendo pleiteada, é fácil antever que as partes e os árbitros enfrentarão problemas graves. 10 Esse tipo de escolha é de todo desaconselhável e pode gerar complicações desnecessárias. 11 YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, p. 56; BARONA VILAR, Silvia. Medidas cautelares en el arbitraje, p. 150; CARMONA, Carlos. Arbitragem e processo, p. 326; MARTINS, Pedro Batista. Apontamentos sobre a lei de arbitragem, p. 246; ALVES, Rafael Francisco. O devido processo legal na arbitragem, p. 409. LAPIEDRA ALCAMÍ, Rosa. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 223 e 243. FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Fouchard, Gaillard, Goldman on international commercial arbitration, § 1319, p. 717-718. BORN, Gary. International commercial arbitration, v. 2, p. 1.973-1.974. CARMONA, Carlos. Arbitragem e processo, p. 270. KARRER, Pierre. Interim measures issued by arbitral tribunals and the courts: less theory, please, p. 98. O que não se admite, ao menos sob a perspectiva do ordenamento brasileiro, é acordo no sentido de não existir nenhuma via competente para a concessão das tutelas de urgência, sob pena de infringir a garantia constitucional de inafastabilidade do controle jurisdicional. Esse assunto será objeto de análise mais detida em capítulo específico (infra, n. 8.1 e ss). Em sentido contrário, Marcelo Vilela defende que “ainda que se admita a autonomia da vontade das partes para a redação da convenção de arbitragem, inválida será a previsão que pretenda cindir o poder jurisdicional do árbitro retirando-lhe o poder de conceder medidas cautelares. A opção pelo juízo arbitral implica, necessariamente, a outorga de poderes jurisdicionais para a tutela cautelar” (cf. Reflexões sobre a tutela cautelar na arbitragem, p. 34). Cf. observação de Neil Kaplan e Robert Morgan: “The court may decline to make a relevant order on the ground that the matter is currently the subject of arbitration proceedings and that the court considers it more appropriate for the matter to be dealt with by the arbitral tribunal (Sect. 2GC (6))” (cf. National report for Hong Kong (1999), p. 56). Com a mesma afirmação, cf. relatório do Working Group II A/CN.9/WG.II/WP.108, p. 18. Essa posição geralmente é adotada pelos países que seguem o modelo do acesso restrito (infra, n. 5.7.2). BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela de urgência e efetividade do direito, p. 294. Sobre as denominadas áreas cinzentas, com vários exemplos de divergência entre alguns dos maiores processualistas brasileiros sobre a natureza cautelar ou antecipatória de várias medidas, cf. TALAMINI, Eduardo. Medidas urgentes (‘cautelares’e ‘antecipadas’): a Lei 10.444/02 e o início de correção de rota para um regime jurídico único, p. 24-27. FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Fouchard, Gaillard, Goldman on international commercial arbitration, § 1.319, p. 717.

Uma experiência inovadora de pesquisa jurídica em doutrina, a um clique e em um só lugar.