5.2.1 - Itália - 5.2 - Visão do passado: competência exclusiva dos juízes

5.2.1. Itália A Itália é talvez o maior exemplo de legislação apegada a valores do passado no que diz respeito à (im) possibilidade de o árbitro conceder tutela de urgência. Mesmo com alteração legislativa recente no capítulo do Código de Processo Civil dedicado à arbitragem (decreto delegato 40/2006), o legislador italiano manteve a famigerada proibição de os árbitros concederem tutelas de urgência. O art. 818 do Codice di Procedura Civile estabelece que “os árbitros não podem conceder sequestro, nem outros provimentos cautelares, salvo disposição contrária de lei” 1 . Por sua vez, o art. 669-quinquies possui previsão de que, no caso de controvérsia objeto de convenção de arbitragem, a demanda antecedente “propõe-se ao juiz que seria competente para conhecer do mérito” 2 - 3 . A competência para declarar a ineficácia do provimento, assim como para revogá-lo ou modificá-lo, também permanece estabelecida em lei com exclusividade ao juiz (art. 669-novies e art. 669-decies). Os motivos utilizados para justificar a proibição, no caso italiano, em nada divergem dos já expostos anteriormente para demonstrar o modo de se pensar daqueles apegados ao passado: impossibilidade de o árbitro proferir decisões com base em cognição sumária e ausência de poder coercitivo (supra, 5.2). 4 Os autores italianos, atualmente, cientes da ausência de motivos jurídicos ou políticos suficientes para justificar a posição legislativa, apontam que a razão para essa proibição é de opção de política legislativa, que poderia muito bem ter sido outra. 5 O escopo da proibição da legislação italiana também já foi objeto de debates. A letra da lei, todavia, ao mencionar que os árbitros não podem determinar “sequestro, nem outros provimentos cautelares”, não parece deixar espaço para interpretações restritivas. 6 Para La China, a única exceção do art. 818 estaria no campo das medidas de instrução preventiva (oitiva antecipada de testemunhas e avaliação técnica preventiva), pois essas escapariam dos limites previstos em lei. 7 Mesmo assim, Carlevaria indica que, de acordo com a doutrina italiana, essa opinião é minoritária e de difícil aceitação, pois ignoraria a função tipicamente cautelar da instrução preventiva. 8 O único sinal concreto de evolução no cenário das tutelas de urgência arbitrais, no ordenamento italiano, diz respeito à arbitragem societária. O art. 35, quinto comma, da lei de direito societário (decreto delegato 5/2003) permite a adoção específica de um único tipo de tutela de urgência pelos árbitros: a suspensão de decisão assemblear. 9 Se a previsão da lei de direito societário, de 2003, poderia sinalizar avanço do legislador italiano em relação às tutelas de urgência, o posterior decreto delegato 40/2006, supracitado, ignorou solenemente os anseios da comunidade arbitral italiana. De fato, na presença de convenção de arbitragem, com exceção do único e específico caso de suspensão de decisão assemblear, portanto, a competência para tutelas de urgência arbitrais na Itália é exclusiva das cortes estatais. Cf. redação original: “Gli arbitri non possono concedere sequestri, ne’altri provvedimenti cautelari, salva diversa disposizione di legge”. Cf. redação original: “Se la controversia è oggetto di clausola compromissoria o è compromessa in arbitri anche non rituali o se è pendente il giudizio arbitrale, la domanda si propone al giudice che sarebbe stato competente a conoscere del merito”. De acordo com Ferruccio Auletta, ao falar sobre a proibição do direito italiano, o limite negativo do art. 818 do CPC italiano se resolve em positivo na dicção do art. 669-quinquies (cf. Cognizione sommaria e giudizio arbitrale, p. 493). Adicionalmente a esses dois fundamentos, menciona-se também, na doutrina italiana, que não é de se estranhar a atribuição de competência cautelar a órgão diverso, motivo pelo qual a competência exclusiva do juízo estatal não representaria nenhum problema: “è estraneo all’ordinamento vigente un potere generale di cautela esercitabile dai singoli giudice che sono o saranno investiti della causa di merito in funzione di generica garanzia di effetività della tutela giurisdizionale” (cf. ARIETA, Giovanni. Note in tema di rapporti tra arbitrato rituale e tutela cautelare, p. 744 e ss.). Conforme informa Chirga: “la ragione di questa esclusione andrebbe individuata in scelte di política legislativa, che ben avrebbero potuto cadere su una soluzione diversa, del resto caldeggiata da autorevole dottrina ache sull’esempio di esperienze straniere” (cf. La nuova disciplina dell’arbitrato, p. 311). No mesmo sentido, cf. AULETTA, Ferruccio. Cognizione sommaria e giudizio arbitrale, p. 498. Cf. CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 264, inclusive nota de rodapé 43. Tudo isso a despeito da boa vontade de alguns doutrinadores de fazer interpretação restritiva da proibição legal, na tentativa, ao que parece, de “corrigir” a opção do legislador (cf. BOND, Stephen. La nature des mesures conservatoires et provisoires, p. 10). LA CHINA, Sergio. L’arbitrato, p. 146. CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 267. Esse problema pode ser resolvido facilmente, ao que parece, com a flexibilidade que o procedimento arbitral permite. O processo pode ser adaptado às necessidades do caso concreto, inclusive com inversão dos atos procedimentais, trazendo a instrução para o momento inicial do processo, se necessário (cf. MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do procedimento arbitral, n. 5.4, p. 73 e ss). Conforme lição de La China, “nell’articolo si può leggere pur sempre uma regola generale – gli arbitri non concedono misure cautelare – e una eccezione – gli arbitri le concedono se uma disposizione di legge diversa dal divieto, como quella ora citata dall’arbitrato societário, lo consente” (cf. L’arbitrato, p. 146). Sobre o tema, cf. LUISO, Francesco. Appunti sull’arbitrato societario, p. 705 e ss.

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