5.6.1 - Modelo da competência concorrente - 5.6 - O papel das cortes estatais durante o processo arbitral.

5.6.1. Modelo da competência concorrente Existem ordenamentos que adotam o modelo da liberdade de escolha (ou freedom of choice approach), por meio do qual, resumidamente, a parte está totalmente livre para escolher, durante o curso do processo arbitral, o órgão que estiver em melhores condições para preservar seu direito. 1 Trata-se de modelo em que há verdadeira competência concorrente entre cortes estatais e tribunais arbitrais. O ponto essencial desse modelo, como se percebe, seria a viabilidade de as partes livremente decidirem se devem solicitar a tutela de urgência aos tribunais arbitrais ou às cortes estatais. A Lei Modelo da UNCITRAL, por exemplo, reconhece a possibilidade de tanto tribunais arbitrais quanto cortes estatais concederem tutelas de urgência. O art. 9º, ao prever a compatibilidade da tutela de urgência e a convenção de arbitragem, coloca em destaque que as medidas podem ser pleiteadas perante as cortes estatais “antes ou durante o processo arbitral”. 2 Apesar de a Lei Modelo em nenhum momento mencionar expressamente que, durante o curso do processo arbitral, a parte interessada pode procurar as cortes estatais livremente, parte da doutrina entende que se trata de previsão implícita. 3 Para outra parte da doutrina, o art. 9º não confere liberdade de escolha das partes, mas apenas estabelece que as partes não estão proibidas de exercer esse direito se a legislação arbitral nacional prever a competência das cortes estatais para intervenção durante o curso do processo arbitral. 4 A Lei Modelo também é silente no que concerne à coordenação da competência entre tribunais arbitrais e cortes estatais, mas, de acordo com os defensores do freedom of choice approach, a falta de regulamentação apenas reforça a conclusão de que não haveria necessidade de se estabelecerem limites à liberdade de escolha da parte interessada. Exatamente por esse motivo não haveria regulamentação. 5 Não existiria, assim, de acordo com esse modelo, papel principal ou subsidiário às cortes estatais ou aos tribunais arbitrais. 6 A título exemplificativo, na Espanha, que adotou o formato da Lei Modelo da UNCITRAL, a doutrina indica que “a competência para ordenar estas medidas recai indistintamente nas mãos de juízes e árbitros” 7 . De acordo com Barona Vilar, quando se pretende a adoção de tutelas de urgência no processo arbitral, há uma via dupla aberta às partes: as cortes estatais, com fundamento nos arts. 8.3 e 11.3 da Ley de Arbitraje, ou tribunais arbitrais, com base no art. 23 da mesma lei. 8 Não existe, portanto, nenhum tipo de limitação a esse respeito. 9 A Alemanha, conforme aponta a doutrina, também adota o freedom of choice approach, seguindo atualmente como base a Lei Modelo da UNCITRAL. O art. 1.033 da Zivilprozessordnung (ZPO) alemã repete a redação adotada no art. 9º da Lei Modelo. 10 Essa previsão, ao ressaltar que as tutelas de urgência podem ser pleiteadas perante as cortes estatais antes ou durante o processo arbitral, leva a doutrina alemã a afirmar que, salvo na hipótese em que a parte opta por excluir a competência dos árbitros (opt out) para tutelas de urgência, essas medidas podem ser apreciadas e deferidas tanto por juízes quanto por árbitros, de forma livre. 11 YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, par.3-42, p. 85-86. Apenas para facilitar a visualização da questão, transcreve-se novamente a versão original do art. 9º da Lei Modelo de UNCITRAL, grifado na parte relevante: “It is not incompatible with an arbitration agreement for a party to request, before or during arbitral proceedings, from a court an interim measure of protection and for a court to grant such measure”. Observação feita por Donald Donovan: “This provision does not expressly confer power on courts to order interim measures, but that power is generally considered to be implicit in the provision” (cf. The allocation of authority between courts and arbitral tribunals to order interim measures: a survey of jurisdictions, the work of UNCITRAL and a model proposal, p. 206). Observação feita por Aron Broches: “Art. 9 does not purport to confer any such power on a court. It merely provides that if a court has such power under its national procedural law, it will not be precluded from exercising it because the parties to the dispute have concluded an arbitration agreement”. (cf. UNCITRAL: commentary on the Model Law (1990), p. 85-86). No mesmo sentido Mody e Arvind: “Whilst this article does not grant any positive powers to the courts, it embodies the principle that a petition for interim relief presented to a court in relation to a matter which is the subject of an arbitration agreement is not incompatible with the arbitration agreement” (cf. Redeeming Sisyphus: the need to invigorate interim relief in international commercial arbitration, p. 127). YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration. par.3.42, p. 85 e ss. CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 37-38. Nesse mesmo sentido é a opinião de Donald Donovan, relatando que a Lei Modelo da UNCITRAL não menciona em nenhum momento que o papel das cortes estatais deve ser subsidiário: “As to the relationship between the power of courts and tribunals to award interim measures, the text of the Model Law gives no indication about whether courts should play a subsidiary role to arbitral tribunals or vice versa. Instead, the Model Law appears page to give parties the freedom to choose between applying to courts or arbitral tribunals for interim measures of protection” (cf. The allocation of authority between courts and arbitral tribunals to order interim measures: a survey of jurisdictions, the work of UNCITRAL and a model proposal, p. 206-207). LAPIEDRA ALCAMÍ, Rosa. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 285. Cf. redação do art. 11 (3) da Ley de Arbitraje (Lei 60/2003): “El convenio arbitral no impedirá a ninguna de las partes, con anterioridad a las actuaciones arbitrales o durante su tramitación, solicitar de un tribunal la adopción de medidas cautelares ni a éste concederlas”. Cf. Medidas cautelares en el arbitraje, p. 181. É a opinião de Mallandrich Miret, ao afirmar que “la LA viene a clarificar las anterirores dudas intrepretativas al admitir en su art. 11.3 la possibilidad de adoptar medidas cautelares ‘con anterioridad a las actuaciones arbitrales o durante su tramitación’, sin estabelecer ningún tipo de limitación respecto a situaciones concretas” (cf. Medidas cautelares y arbitraje, p. 172). Cf. redação em inglês: “§ 1033 – Arbitration Agreement and Interim Measures by Court. It is not incompatible with an arbitration agreement for a court to grant, before or during arbitral proceedings, an interim measure of protection relating to the subject-matter of the arbitration upon request of a party”. De acordo com a lição de Böckstiegel, Kröll e Nacimiento, “German arbitration law provides for concurrent jurisdiction of arbitral tribunals and courts for granting interim relief. This is meant to ensure that in all cases an effective protection can be obtained. Accordingly, in the absence of agreements to the contrary, an application for interim relief may now be made to both the state court and the arbitral tribunal. An arbitration agreement does not, in and of itself, exclude the possibility that a state court may issue interim relief either prior to or during the arbitration, on the application of one of the parties, concerning the subject matter of the arbitration (cf. Germany as a place for international and domestic arbitrations: general overview, p. 42). No mesmo sentido, em outro artigo, desta vez individual, Böckstiegel informa que “as section 1033 already permits interim measures by the court, it is of high practical importance that section 1041 now too expressly authorizes the arbitral tribunal to issue interim measures” (cf. An introduction to the new German Arbitration Act based on the UNCITRAL Model Law, p. 24).

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