5.7.1 - Modelo da competência concorrente - 5.7 - Conflito de competência e de decisões entre árbitros e juízes

5.7.1. Modelo da competência concorrente Em primeiro lugar, o conflito de competência para tutelas de urgência arbitrais pode ser positivo ou negativo. 1 O conflito positivo ocorre na hipótese em que tanto o tribunal arbitral quanto a corte estatal, reconhecendo a sua competência no caso concreto, proferem tutelas de urgência arbitral. O conflito negativo, por sua vez, tem lugar quando tanto o tribunal arbitral quanto a corte estatal se negam a analisar o pedido, atribuindo competência a outro juízo. 2 Na prática arbitral, como observa Carlevaris, percebe-se que raramente acontece o conflito negativo de competência para tutelas de urgência arbitrais solicitadas em países que adotam o modelo da competência concorrente. Tendo em vista a atribuição de competência a ambos os órgãos no modelo da liberdade de escolha, dificilmente haverá dupla negativa de competência para o caso concreto. 3 Problema que poderia ocorrer para dupla negativa de competência seria o equivocado entendimento de que a escolha da via arbitral significaria incompetência das cortes estatais para tutelas de urgência. Trata-se de consequência idêntica, mas com fundamento diverso. Esse aspecto, todavia, não seria correto tecnicamente (infra, 5.8.1). Por sua vez, em razão da liberdade de escolha entre ambos os órgãos, o conflito positivo acaba sendo fonte de maior preocupação. 4 Na Alemanha, onde se adota o modelo do freedom of choice approach (supra, 5.8.1) e não há restrição ao exercício da competência das cortes estatais para tutelas de urgência, o risco de conflito positivo é muito grande. 5 Embora não exista regra para impossibilitar pedidos concomitantes a ambos os juízos, há previsão para impedir a execução da medida. De acordo com o art. 1041 (2) da ZPO, as cortes estatais permitem a execução da tutela de urgência arbitral, mas apenas se ela não já tiver sido requerida à corte estatal. 6 Nesse caso, a solução legislativa encontrada para evitar o conflito positivo passa pelo controle da questão pelo juiz, que verificará quem formulou primeiramente o pedido. 7 Essa solução, todavia, não alcança casos em que não haja a necessidade de apoio das cortes estatais para execução da medida. Outro país que adota o modelo do freedom of choice approach é a Suíça. Para prevenir decisões conflitantes, tribunais arbitrais e cortes estatais têm entendimento de que as parte não podem pedir tutela de urgência em ambos os órgãos ao mesmo tempo. Uma vez formulado o pedido perante um juízo, a parte fica impedida de fazer o mesmo pedido diante de outro órgão. 8 Essa solução também é adotada pela Espanha, onde se entende que as partes em nenhum caso poderão aproveitar-se da flexibilidade legislativa para duplicar suas chances de êxito. 9 A prioridade para decidir seria, então, do primeiro juízo em que a tutela de urgência fosse solicitada (first to come, first to serve). Além disso, uma vez analisada a questão, opera uma espécie de efeito preclusivo que impede uma segunda análise, mesmo que por outro órgão, sobre o mesmo pedido. 10 A solução do first to come, first to serve, tal como adotado pela Suíça, parece adequada para os países que escolhem o modelo do freedom of choice approach. De fato, se tanto os tribunais arbitrais quanto as cortes estatais possuem competência primária para a concessão de tutelas de urgência, deve-se evitar que essa opção seja exercida de forma abusiva. Aquele que primeiro receber o pedido é o competente, e fica vedado às partes reiterar idêntico pedido perante o outro órgão. RUBINO-SAMMARTANO, Mauro. International arbitration law and practice. n. 24.13, p. 651. Fala-se aqui de conflito de competência porque se está no campo em que as partes possuem liberdade para escolher qual órgão será responsável pela análise do pedido de tutela de urgência arbitral. Com relação ao mérito do litígio propriamente dito, não é possível usar o mesmo conceito, pois a competência é exclusiva do tribunal arbitral. O conceito de conflito de competência aqui posto em nada difere daquele utilizado pela doutrina processual estatal (cf., por todos, CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência, n. 135, p. 215). CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 106-107. CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 107. Conforme lembram Lew, Mistelis e Kröll: “In Germany adoption of Article 9 Model Law containing no restrictions on courts jurisdiction is a clear decision in favour of true concurrent jurisdiction. It is stated that the jurisdiction of the state courts exists in its own right and does not depend on the non-availability of interim relief from the tribunal” (cf. Comparative international commercial arbitration, par.23-124, p. 622). Cf. versão em inglês do art. 1041 (2) da ZPO: “The court may, at the request of a party, permit enforcement of a measure referred to in subsection 1, unless application for a corresponding interim measure has already been made to a court. It may recast such an order if necessary for the purpose of enforcing the measure”. Se há pedido de auxílio para execução da medida de urgência concedida por tribunal arbitral e a corte estatal estiver diante do idêntico pedido, indica-se a prevalência da última. De acordo com Kröll, “where enforcement is nevertheless necessary, pursuant to Sect. 1041 (2) ZPO the court may, at the request of a party permit enforcement of such a measure ordered by the arbitral tribunal unless application for a corresponding interim measure has already been made to a court” (cf. National report for Germany (2007), p. 35). Este é o relato de Markus Wirth, com base na legislação suíça de arbitragem internacional: “Where identical interim measures are requested both from the state courts and the arbitral tribunal, the competence to order the measures is deemed to lie with the body with which the request has first been filed” (cf. Interim or preventive measures in support of international arbitration in Switzerland, p. 42). No mesmo sentido, Segesser e Kurth explicam que “in order to prevent conflicting decisions and promote adjudicative efficiency, arbitral tribunals and courts often decide that a party may not apply for interim relief before two instances at the same time and, once a court has dismissed a request for interim relief, a party should not have a second chance to obtain the same interim relief from the arbitral tribunal” (cf. International arbitration in Switzerland, p. 85). MALLANDRICH MIRET, Núria. Medidas cautelares y arbitraje, p. 164. Markus Wirth explica que a decisão da corte estatal ou tribunal arbitral possui um tipo de efeito preclusivo em relação ao outro juízo: “If the state court orders or declines to order a measure, the parties cannot subsequently resort to the arbitral tribunal to obtain a more favorable ruling, and vice versa” (cf. Interim or preventive measures in support of international arbitration in Switzerland, p. 42). Citando recente arbitragem CCI com local na Suíça, Segesser e Kurth relatam caso em que o tribunal arbitral adotou exatamente essa postura: “In a recent ICC arbitration in Switzerland, it was held that a party should not be given a second chance to obtain interim measures from the arbitral tribunal where (a) the party had already applied unsuccessfully for identical interim relief before a court, (b) the application for interim relief before the arbitral tribunal was based upon the same facts and evidence as the one brought before the court, (c) the arbitral tribunal would apply the same standards in deciding on the application for interim relief as had the court, and (d) due process had been granted in the court proceedings. The arbitral tribunal held that it would, however, be appropriate to grant a second chance to apply for the interim relief if new facts had arisen since the decision of the court or new evidence had become available” (cf. International arbitration in Switzerland, p. 85).

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