7.2.1 - Principais desafios - 7.2 - Concessão de tutelas de urgência arbitrais pelo juiz

7.2.1. Principais desafios De forma bastante positiva, as cortes estatais reiteradamente manifestam-se competentes para conceder tutelas de urgência nas hipóteses de limitações materiais ou jurídicas dos tribunais arbitrais (supra, n. 6.4.2). No entanto, no exercício dessa reconhecida competência, ainda existem dois principais tipos de desafios a serem vencidos: (i) a falsa percepção de que só podem ser concedidas tutelas conservativas por meio de demandas antecedentes; e (ii) a falsa percepção de que só podem ser concedidas tutelas conservativas porque o mérito do litígio é de competência exclusiva do árbitro. 1 Em primeiro lugar, as tutelas de urgência arbitrais são geralmente formuladas, perante as cortes estatais, em caráter antecedente à demanda arbitral (supra, n. 5.5.1). Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, isso fazia com que esses pedidos fossem instrumentalizados por meio de processos cautelares. No entanto, mesmo diante do regime anterior — no qual tutelas cautelares supostamente deveriam ser formuladas por meio de demanda antecedente e tutelas antecipadas no corpo da própria demanda principal — não deveria existir nenhum óbice ao pedido de caráter antecipatório por meio de demanda antecedente. Diante da legislação revogada, Bedaque lecionava que “não se deve afastar de forma absoluta a possibilidade de a antecipação de efeitos da sentença final ser requerida em procedimento autônomo, antecedente ao pedido de tutela cognitiva”. 2 A compreensão correta do fenômeno das tutelas de urgência confirma que é falsa a percepção de que só poderiam ser concedidas tutelas conservativas. Se, no passado, a doutrina criticava de forma tão enfática a utilização de demandas antecedentes a fim de obterem-se provimentos satisfativos com base no poder geral de cautela, com a posterior positivação da antecipação de tutela e da possibilidade de fungibilidade entre as medidas, essa afirmação deve ser recebida com naturalidade. 3 Conforme explicava Barbosa Moreira, ainda sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, não “fica excluída a possibilidade de depararmos hipóteses situadas numa ‘zona cinzenta’, ou na faixa de fronteira, onde se torna difícil saber com precisão em que território se está pisando”. 4 Em razão dessas dificuldades e de sua posição favorável ao regime jurídico único às tutelas de urgência, Dinamarco alertava sobre a necessidade de afastar a “irracional repulsa” às tutelas antecipadas em caráter antecedente e confirmava a possibilidade de sua concessão “tanto incidentalmente ao processo judicial ou arbitral quanto em caráter preparatório ou antecedente”. 5 Um exemplo era capaz de ilustrar essa situação de forma muito clara. Parcela significativa da doutrina aponta que uma das medidas mais comuns da praxe forense, a sustação do protesto cambial, nada mais é do que a antecipação de um impedimento que geralmente seria determinado apenas ao final do processo. 6 Quem teria a coragem de afirmar que o juiz não poderia conceder tutela de urgência, então com caráter antecipatório, com o fim de sustação de protesto cambial por meio de demanda antecedente? Parecia claro o equívoco de não se permitir antecipações de tutela por meio de demanda antecedente. Diante do Código de Processo Civil de 2015, com a unificação legislativa do regime geral de tutela de urgência, a discussão acima parece completamente superada. Tanto isso é verdade que o legislador incluiu os capítulos sobre procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente e procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente dentro do tópico das tutelas de urgência, eliminando qualquer dúvida sobre a possibilidade de ambos os tipos de tutela serem pleiteados em caráter antecedente. 7 Embora o legislador, ao criar procedimentos diferentes para as tutelas de urgência, tenha complicado o que em princípio deveria ter sido simplificado, fato é que a alteração ratifica o entendimento — defendido desde a versão original deste trabalho, em 2013 — de que absolutamente qualquer tipo de tutela de urgência pode ser pleiteado perante as cortes estatais enquanto não constituído o tribunal arbitral. Não se pode esquecer que a tutela provisória fundada na urgência, cautelar ou antecipada, é componente essencial da tutela jurisdicional e tem a função de assegurar o êxito das atividades cognitivas e executivas. 8 Em segundo lugar, deve ser afastada a falsa percepção de que por meio de demanda antecedente só podem ser concedidas tutelas conservativas porque o mérito do litígio é de competência exclusiva do árbitro. Em julgamento conduzido por Carreira Alvim, afirmou-se que “a competência para a concessão de tutela antecipatória é, sem dúvida, do tribunal arbitral”, e que se cabe ao “tribunal [arbitral] decidir o mérito da controvérsia (litígio), cabe-lhe, igualmente, decidir se antecipa ou não os efeitos dessa decisão”. 9 Em caso mais recente, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, determinada parte pediu a concessão de tutela de urgência para “garantir a vigência dos contratos até a sentença arbitral, assegurando-se a sua exclusividade e impedindo-se a retomada das unidades arrendadas”. Os julgadores, todavia, entenderam que se tratava de providências visando à antecipação de tutela jurisdicional e que, portanto, “seu deferimento constituiria violação aos limites da atuação jurisdicional, diante da existência de cláusula compromissória, pois implicariam a necessidade de apreciação da lide, ainda que provisoriamente”. 10 Não há, nem poderia haver, qualquer óbice a que o juiz analise de forma sumária e provisória o mérito do litígio. É exatamente isso o que ele faz, aliás, tanto no caso de tutelas antecipadas quanto conservativas. A diferença entre o exame do direito material controvertido em um caso e no outro é apenas a profundidade de cognição. Em um caso, satisfaz-se com mera probabilidade ou verossimilhança. 11 No outro, procura-se a verdade possível. 12 A preocupação do juiz não deve estar, a priori, na natureza da medida. Aceitar que existe um regime jurídico único para tutelas de urgência, pois suas características são muito similares, mas ao mesmo tempo realizar distinções entre elas, sem levar em consideração seus reais efeitos, seria o mesmo que negar a afirmação anterior. Diante de justificado cenário e presentes os pressupostos legais, o juiz pode, em tese, conceder tutela de urgência conservativa ou antecipada dos efeitos da tutela final. 13 Essa falsa percepção decorre também, talvez, da falsa premissa de que decisões de caráter antecipatório seriam mais graves ao réu. No entanto, “tanto a medida conservativa quanto a antecipadora podem revestir-se de especial gravidade ao réu. A diferença entre as duas não está no grau de sacrifício que impõe ao requerido, mas no tipo de providência que outorgam ao seu beneficiário” (cf. TALAMINI, Eduardo. Medidas urgentes (“cautelares” e “antecipadas”): a Lei 10.444/2002 e o início de correção de rota para um regime jurídico único, p. 18). Cf. Código de Processo Civil interpretado, p. 827. Com relação à admissibilidade da antecipação de tutela em demanda antecedente, Dinamarco ensina que “se o objetivo é impedir que o decurso do tempo corroa direitos, constitui imperativo da garantia constitucional do acesso à justiça (Const., art. 5º, inc. XXXV) a disposição dos juízes a conceder a antecipação antes ou depois da propositura da demanda principal” (cf. O regime jurídico das medidas urgentes, n. 38, p. 83). BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela de urgência e efetividade do direito, p. 292. Cf. Tutela de urgência e efetividade do direito, p. 294. Cf. ainda ARMELIN, Donaldo. Tutela de urgência e arbitragem, p. 375. Cf. A arbitragem na teoria geral do processo, n. 86, p. 224. Cf., dentre outros, DINAMARCO, Cândido Rangel. O regime jurídico das medidas urgentes, n. 38, p. 83. O Código de Processo Civil de 2015 foi elaborado para que o “processo principal” seja substituído pelo “pedido principal”, a ser formulado nos próprios autos do processo. No caso da arbitragem, porém, o processo principal continuará a existir da forma como existia no Código de Processo Civil de 1973 (uma vez que o pedido deve ser realizado a órgão jurisdicional diverso), e será consubstanciado no requerimento de arbitragem, como geralmente previsto nos regulamentos arbitrais. PISANI, Proto. Lezioni di diritto processuale civile, p. 593-598. TRF da Segunda Região, AI 2003.02.01.010784-5, Relator J. E. Carreira Alvim, julgado em 22.06.2004. TJ-SP, AI 0026767-61.2012.8.26.0000 , Relator Antônio Rigolin, Trigésima Primeira Câmara de Direito Privado, julgado em 28.02.2012. CALAMANDREI, Piero. Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari, p. 63. TARUFFO, Michele. La semplice verità, p. 85 e ss. Admitindo a concessão de tutelas antecipadas pelo juiz, apesar de não se aprofundar no assunto, cf. CARMONA, Carlos Alberto. Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição de foro, p. 37.

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