8.1 - Considerações iniciais - 8 - Tutelas de Urgência Perante Arbitros de Emergência

8.1. Considerações iniciais A necessidade de tutela de urgência surge, na grande maioria das vezes, no momento em que nasce o conflito e que, portanto, ainda não existe tribunal arbitral constituído (limite material à jurisdição dos árbitros). Essa fase é crucial ao desenvolvimento do processo arbitral e pode fazer com que, em casos graves, a própria razão de existência do processo arbitral deixe de existir. A solução mais comum para essas situações é procurar ajuda das cortes estatais, uma vez que a constituição do tribunal arbitral leva, geralmente, semanas ou meses (supra, n. 5.5.1). A busca por ajuda dos juízes, todavia, pode ir de encontro ao desejo inicial das partes de ver seu litígio resolvido de forma privada e em local neutro, sem a interferência das cortes estatais. 1 Além do mais, existem vantagens na apreciação das tutelas de urgência por meio de árbitros (supra, n. 5.3). Para superar essa limitação inerente ao processo arbitral e tentar evitar a intervenção das cortes estatais, surgiu a ideia de criar-se um mecanismo privado e específico de solução para questões urgentes. 2 Falando sobre mecanismos privados pré-arbitrais, como o árbitro de emergência, antes mesmo de que esses surgissem na prática arbitral, Yves Derains afirmava que em determinadas situações, tal como durante a vigência de contratos de construção, seria essencial a disponibilidade de um árbitro de emergência (chamado naquela época pelo autor, por influência do direito francês, de référé arbitral) para solucionar dificuldades contratuais de forma célere. 3 Yves Derains menciona ainda que em alguns tipos de contratos já se costumava, naquela época, desde o início da relação comercial, deixar um référé arbitral contratado para resolver questões emergenciais, mas essa opção obviamente mostrava-se extremamente custosa. 4 Iniciou-se, assim, movimento de importantes instituições arbitrais para construir regulamentos especificamente desenhados para essa fase pré-arbitral, merecendo destaque, por seu pioneirismo, o Regulamento de Procedimento Cautelar Pré-arbitral (Rules for a pre-arbitral referee procedure) da CCI, lançado em 1990. 5 De acordo com a introdução da CCI, o objetivo daquele regulamento era fornecer à comunidade empresarial novo procedimento por meio do qual uma solução rápida poderia ser tomada em situações de dificuldades durante o curso de uma relação contratual. Tal como ocorre normalmente no processo arbitral, também no processo pré-arbitral as partes podem construir um mecanismo de modo específico para o caso concreto ou socorrer-se de regulamentos desenhados e testados por instituições arbitrais. As mesmas opções que existem no processo arbitral (de construção ou incorporação de regulamento), existem também no processo pré-arbitral, sendo comprovado que as partes em regra preferem, pela conveniência, simplesmente adotar regulamentos já pensados e testados por instituições, com algumas adaptações, quando for o caso (supra, n. 4.2). 6 Os árbitros de emergência, todavia, pelo menos até o começo desta década, ainda eram pouco utilizados. A título de exemplo, o Regulamento de Procedimento Cautelar Pré-arbitral da CCI 1990 foi utilizado apenas doze vezes durante vinte anos de vigência. 7 A razão para explicar a escassa utilização do antigo regulamento seria a necessidade de manifestação específica de vontade (opt in) para sua incorporação à convenção arbitral. No momento de negociação do contrato, presume-se que as partes ou não possuem conhecimento do mecanismo ou não estão suficientemente preocupadas com a sua inclusão. Quando o litígio surge, é virtualmente impossível conseguir acordo quanto à sua utilização. 8 Mais recentemente, as instituições arbitrais iniciaram movimento significativo para inclusão de regras para tutelas de urgência pré-arbitrais. Em 2012, por exemplo, a CCI criou novo regulamento pré-arbitral, desta vez com a denominação de “Regras sobre o Árbitro de Emergência”, incluindo a competência do árbitro de emergência como forma padrão — art. 29 (6)(b). Como consequência, caso não tenham interesse em utilizar-se do mecanismo, as partes podem fazer a sua exclusão (opt out), mas o silêncio é interpretado como concordância. O exemplo da CCI, de criação ou modernização dos regulamentos pré-arbitrais, foi seguido por inúmeras instituições com relevante expressão no cenário internacional. 9 Tendo em vista a impossibilidade de análise mais detalhada de todos os regulamentos atuais de árbitro de emergência, este trabalho escolheu revisar dez regulamentos arbitrais: (a) Regulamento de Arbitragem da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), de 2017 (“Regulamento CCI”); (b) Regulamento de Arbitragem da International Centre for Dispute Resolution da American Arbitration Association (ICDR-AAA), de 2014 (“Regulamento ICDR-AAA”); (c) Regulamento de Arbitragem da London Court of International Arbitration (LCIA), de 2014 (“Regulamento LCIA”); (d) Regulamento de Arbitragem Administrada da Hong Kong International Arbitration Centre (HKIAC), de 2013 (“Regulamento HKIAC”); (e) Regulamento de Arbitragem da Singapore International Arbitration Center (SIAC), de 2016 (“Regulamento SIAC”); (f) Regulamento de Arbitragem da Stockholm Chamber of Commerce (SCC), de 2010 (“Regulamento SCC”); (g) Regulamento de Arbitragem Internacional da Swiss Chamber of Commerce (SWCC), de 2012 (“Regulamento SWCC”); (h) Pre-arbitral referee rules da European Court of Arbitration (ECA), de 2015 (“Regulamento pré-arbitral ECA”); (i) Regulamento Arbitral do Netherlands Arbitration Institute (NAI), de 2015 (“Regulamento NAI”); e (j) Regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado BM&FBovespa (BM&- FBovespa), de 2011 (“Regulamento CAM-BM&FBovespa”). 10 O objetivo deste capítulo é, em primeiro lugar, analisar a natureza da atividade exercida pelo árbitro de emergência (infra, n. 8.2) e, logo em seguida, a relação da competência deste em relação às cortes estatais (infra, n. 8.3). Em seguida, serão analisadas as principais questões sobre o assunto, com revisão dos regulamentos mencionados acima, de forma a abordar, ainda que brevamente, as principais peculiaridades e polêmicas desses interessantes mecanismos pré-arbitrais (infra, n. 8.4-8.5). TOMMASEO, Ferrucio. Lex fori e tutela cautelare nell’arbitrato commerciale internazionale, p. 10. CARLEVARIS, Andrea. Tutela cautelare “pre-arbitrale”: natura del procedimento e della decisione, p. 261. Cf. Technical expertise and “référé arbitral”, p. 183. Cf. Technical expertise and “référé arbitral”, p. 189. PINSOLLE, Philippe; GAILLARD, Emmanuel. The ICC pre-arbitral referee: first practical experiences, p. 12. YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, § 4-4, p. 115-116. BONNIN, Victor; LAGO, Carlos de los Santos. Emergency proceedings under the new ICC rules, p. 5. BORN, Gary. International commercial arbitration, v. 2, p. 1.970; BONNIN, Victor; LAGO, Carlos de los Santos. Emergency proceedings under the new ICC rules, p. 5. Falando sobre as recentes modificações de diversos regulamentos, cf. MIRÓ GILI, Màrius. La decisión del “árbitro de emergencia”: su contenido, ejecutabilidad y ejecución, p. 37. No Brasil, mais recentemente, a partir de 2014, a Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Estado do Paraná, CAMFIEP, também passou a prever a figura do árbitro de emergência, o qual está previsto em regime de opt out. Cf. redação do art. 7.5. “As Partes que desejarem excluir a aplicação do regime de Arbitragem de Emergência poderão prever esta exclusão expressamente em sua Convenção Arbitral, caso em que não será aplicável o procedimento previsto nesta Seção, devendo as medidas urgentes anteriores à instituição da Arbitragem (item 13.7 deste Regulamento) ser submetidas ao órgão judiciário competente”.

Uma experiência inovadora de pesquisa jurídica em doutrina, a um clique e em um só lugar.