8.3 - Competência concorrente dos árbitros de emergência - 8 - Tutelas de Urgência Perante Arbitros de Emergência

8.3. Competência concorrente dos árbitros de emergência As duas fontes mais relevantes de competência do árbitro são a autonomia da vontade (supra, n. 4.2) e a lex arbitri (supra, n. 4.3). Com relação ao árbitro de emergência, há a diferença de que a sua competência acaba sempre tendo fonte contratual. A utilização desse mecanismo advém da manifestação de vontade (direta ou indiretamente) das partes, a fim de ter questões urgentes resolvidas por meio de árbitros de emergência antes da constituição do tribunal arbitral. 1 A primeira e talvez mais relevante questão é saber se a escolha das partes por árbitros de emergência afastaria a competência das cortes estatais para o mesmo assunto. Em outras palavras: caso haja uma situação de urgência antes da constituição do tribunal arbitral, as partes poderiam, a despeito da opção por árbitros de emergência, buscar tutela das cortes estatais? De acordo com Fouchard, Gaillard e Goldman, a resposta seria negativa. Para esses autores, a partir do momento em que as partes escolhem outorgar competência aos árbitros de emergência, essa opção significaria renúncia às cortes estatais com relação às tutelas de urgência abrangidas dentro do campo de competência dos árbitros de emergência. 2 Essa opinião parece condizente com a posição da jurisprudência francesa, a qual admite de forma tranquila a exclusão da competência das cortes estatais para tutelas de urgência. 3 Diante do direito brasileiro, não parece existir nenhum óbice à opinião de Fouchard, Gaillard e Goldman, desde que com a mesma ressalva que já foi realizada anteriormente neste trabalho. Em casos de eventuais limitações materiais ou jurídicas dos árbitros de emergência, nada impediria que a parte interessada formulasse o seu pedido de tutela de urgência perante as cortes estatais (supra, n. 5.5). O que não se pode admitir, sob pena de violação à garantia de inafastabilidade do controle jurisdicional, é que a parte interessada fique impossibilitada de utilizar-se do mecanismo pré-arbitral do árbitro de emergência e, simultaneamente, impossibilitada de buscar auxílio das cortes estatais. Existindo ao menos um órgão jurisdicional disponível para tutelar a parte adequadamente, não existiria nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade no fato de a competência ser dos árbitros de emergência. 4 Os regulamentos pré-arbitrais, todavia, parecem preferir posição mais conservadora com relação às tutelas de urgência pré-arbitrais. 5 Por exemplo, o art. 29 (7), do Regulamento CCI, prevê que as disposições sobre o árbitro de emergência não têm a “finalidade de impedir que qualquer parte requeira medidas cautelares ou provisórias urgentes a qualquer autoridade judicial competente”. 6 O mesmo modelo é adotado pelo Regulamento ICDR-AAA, no seu art. 6 (7), 7 e pelo Regulamento LCIA, no seu art. 9 (12), 8 ambos deixando claro que a opção por árbitro de emergência não deve significar a exclusão de outras vias competentes antes da constituição do tribunal arbitral. 9 Aliás, esse tratamento com relação às tutelas de urgência pré-arbitrais é diferente daquele dado à matéria durante o curso do processo arbitral. Durante o processo arbitral, como visto, os regulamentos arbitrais geralmente estabelecem competência exclusiva dos árbitros, com a ressalva de que, excepcionalmente, quando houver limitação material ou jurídica à atividade dos árbitros, as tutelas de urgência podem ser requeridas às cortes estatais (supra, n. 5.6.3). Na fase pré-arbitral, por outro lado, o modelo geralmente adotado é o da competência concorrente, sendo permitido que as partes livremente busquem tutelas de urgência perante as cortes estatais ou perante os árbitros de emergência. As partes ficam livres para escolher o órgão mais eficiente conforme a necessidade do caso concreto (supra, n. 5.6.1). Ou seja, de acordo com os principais regulamentos arbitrais, o mecanismo pré-arbitral dos árbitros de emergência é considerado meio adicional de proteção às partes, atuando de forma concorrente com as cortes estatais. 10 MALHEIRO, Gonçalo. Os poderes concorrenciais dos tribunais arbitrais e dos tribunais comuns para o decretamento de providência cautelares, p. 65 e ss. De acordo com Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman, a opção por árbitros de emergência significaria renúncia à possibilidade de formular os mesmos pedidos perante as cortes estatais: “where a pre-arbitral referee clause is provided for, the parties waive their rights to apply to the courts for all measures within the referee’s jurisdiction. Such a waiver is perfectly legitimate and can be inferred from the intention to resort to a referee for the provisional measures covered by the Rules” (cf. Fouchard, Gaillard, Goldman on international commercial arbitration, § 1.321, p. 718). Cf. ainda YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, § 3-80, p. 104. Essa constatação é feita por Rosa Lapiedra Alcamí, citando diversos precedentes das cortes francesas (cf. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 235). ALVES, Rafael Francisco. O devido processo legal na arbitragem, p. 409; MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do procedimento arbitral, n. 19.8, p. 334. YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, § 3-75, p. 101 (“the arbitration rules rarely deal with the issue of exclusion agreements in express terms because the jurisdiction of the courts are undoubtedly within the sole discretion of legislatures”). Cf. ainda LAPIEDRA ALCAMÍ, Rosa. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 235. Cf. redação completa: “A parte que necessitar de uma medida urgente cautelar ou provisória que não possa aguardar a constituição de um tribunal arbitral (‘Medidas Urgentes’) poderá requerer tais medidas nos termos das Regras sobre o Árbitro de Emergência dispostas no Apêndice V. Tal solicitação só será aceita se recebida pela Secretaria antes da transmissão dos autos ao tribunal arbitral nos termos do artigo 16 e independentemente do fato de a parte que requerer a medida já ter apresentado seu Requerimento de Arbitragem”. Cf. redação original: “A request for interim measures addressed by a party to a judicial authority shall not be deemed incompatible with this Article 6 or with the agreement to arbitrate or a waiver of the right to arbitrate”. Cf. redação original: “Article 9B shall not prejudice any party’s right to apply to a state court or other legal authority for any interim or conservatory measures before the formation of the Arbitration Tribunal; and it shall not be treated as an alternative to or substitute for the exercise of such right. During the emergency proceedings, any application to and any order by such court or authority shall be communicated promptly in writing to the Emergency Arbitrator, the Registrar and all other parties”. Recentemente, no caso Gerald Metals SA v Timis & Ors [2016] EWHC 2327 (Ch), submetido a uma corte comercial de Londres, o Justice LEGGATTI parece ter sugerido que somente a via do árbitro de emergência estaria disponível à parte. No entanto, é importante ressaltar que a parte já havia tentado iniciar a arbitragem de emergência e a LCIA rejeitou o pedido. PRICE, Charles. Conflict with state courts, p. 47; BARONA VILAR, Silvia. Medidas cautelares en el arbitraje, p. 151.

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