9.4 - Tutelas de urgência ex officio - 9 - Tutelas de Urgência Perante o Tribunal Arbitral

9.4. Tutelas de urgência ex officio No processo estatal, a questão sobre a concessão de tutelas de urgência de ofício estava razoavelmente sedimentada diante do Código de Processo Civil de 1973. Tratando-se de medida conservatória (cautelar), embora houvesse entendimento mais restritivo 1 ou permissivo 2 sobre a sua concessão, prevalecia solução intermediária, autorizando a sua concessão de ofício apenas em caráter excepcional ou quando expressamente previsto em lei. 3 Com relação às medidas antecipatórias, a impossibilidade de concessão de ofício decorria de expressa previsão legal (CPC/1973, art. 273, caput). 4 Diante do Código de Processo Civil de 2015, o legislador positivou que a “tutela provisória será requerida ao juízo da causa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal” (CPC/2015, art. 299, caput). Ao que parece, portanto, o legislador quis condicionar a concessão das tutelas provisórias (de urgência ou de evidência) ao expresso pedido das partes. 5 No campo arbitral, a grande maioria das legislações e regulamentos arbitrais prevê expressamente a necessidade de requerimento da parte. 6 Em hipóteses mais raras, alguns regulamentos estabelecem a possibilidade de concessão da medida ex officio. 7 A manifestação de vontade das partes, nesse caso manifestada por referência, deve ser respeitada pelos árbitros. Nos casos de omissão do regulamento ou legislação, em razão da autonomia processual das partes (que é princípio essencial e pressuposto do processo arbitral), o entendimento mais natural é que não seria geralmente permitida a concessão de tutelas de urgência arbitrais de ofício. 8 Por outro lado, existe interessante tese, defendida por Dinamarco antes da reforma de Lei de Arbitragem, de que o árbitro possuiria poderes mais amplos do que o juiz para a concessão de tutelas de urgência ex officio, por influência do dever de diligência estabelecido em lei (Lei de Arbitragem, art. 13, § 6º). 9 No entanto, é difícil imaginar situação, principalmente no processo arbitral – fortemente marcado pela autonomia da vontade – na qual a parte interessada mantenha-se inerte e simplesmente não formule pedido que possa beneficiá-la. É obviamente natural que a parte possua interesse em proteger seus próprios interesses. 10 Isso sem falar que a parte beneficiada pela medida pode acabar obrigada a ressarcir prejuízos pela fruição de tutela de urgência sem sequer ter formulado pedido (infra, n. 9.13). Além do mais, a reforma da Lei de Arbitragem parece ter caminhado no mesmo sentido aqui defendido ao estabelecer que “estando já instituída a arbitragem, a medida cautelar ou de urgência será requerida diretamente aos árbitros” (Lei de Arbitragem, art. 22-B, parágrafo único). Todos os caminhos parecem conduzir, portanto, para a impossibilidade, em regra, da concessão de tutelas de urgência ex officio pelos árbitros. Não se pode excluir, porém, hipóteses totalmente excepcionais em que seja possível a concessão da medida ex officio. 11 Se no processo estatal essas condições são raras de se encontrar, no processo arbitral a excepcionalidade é muito mais acentuada, sendo difícil imaginar situação concreta a justificar a concessão ex officio. 12 TESHEINER, José Maria Rosa. Medidas cautelares, p. 15; SANCHES, Sydney. Poder cautelar geral do juiz, p. 60 e 134-135. “No exercício do poder geral de cautela, pode o magistrado adotar providência não requerida e que lhe pareça idônea para a conservação do estado de fato e de direito envolvido na lide” (STJ, REsp 507167/SC , Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 08.11.2005, DJ 05.12.2005, p. 275). GAJARDONI, Fernando. A moderna ótica do poder geral de cautela do juiz, p. 536; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel Francisco. Código de Processo Civil comentado, p. 749. Mesmo assim, existia posição de que em casos excepcionais seria permitido ao juiz conceder a medida ex officio (cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada, p. 384). Mas há quem entenda que o CPC/2015 foi absolutamente omisso sobre o assunto (cf. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil, p. 437). Sobre os regulamentos arbitrais, verifiquem-se as transcrições feitas anteriormente (infra, n. 4.2.2). As legislações arbitrais, de uma forma geral, também seguem essa fórmula, até mesmo por influência da Lei Modelo da UNCITRAL que, desde sua versão original, menciona a necessidade de pedido da parte (infra, n. 5.3.1). De acordo com o art. 39 (3) do Regulamento ICSID: “The tribunal may also recommend provisional measures on its own initiative or recommend measures other than those specified in a request. It may at any time modify or revoke its recommendations”. YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, n. 5.1.1, p. 166-167; CORDÓN MORENO, Faustino. El arbitraje de derecho privado, p. 306. A arbitragem na teoria geral do processo, n. 88, p. 227. De acordo com Mallandrich Miret, é vedada ao árbitro a adoção de ofício de qualquer medida que acarrete interferência na faculdade de pedir ou não das partes (cf. Medidas cautelares y arbitraje, p. 204) Cf. ainda CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 334. Essa parece ser a opinião de CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo, p. 325. Em sentido contrário ao aqui defendido, Marcelo Vilela alega que: “Admitido o interesse do órgão jurisdicional na obtenção de resultado útil quanto a sua atividade, seja para assegurar o não-desaparecimento das circunstâncias fáticas, seja para assegurar o cumprimento de eventual decisão condenatória, é inegável que o árbitro tem o poder jurisdicional para conceder medida cautelar independentemente de requerimento da parte. Cumpre ao (s) árbitro (s) zelar pelo atingimento de resultado útil às partes com a decisão proferida. E, assim, é-lhe (s) deferido o poder geral de cautela” (cf. Reflexões sobre a tutela cautelar na arbitragem, p. 36). Ainda em sentido contrário ao aqui defendido, cf. MARTINS, Pedro Antonio Batista. Da ausência de poderes coercitivos e cautelares do árbitro, p. 372; FIGUEIRA JR., Joel. Arbitragem, jurisdição e execução, p. 221; LYRA, Michele. Tutela de urgência e arbitragem: mecanismos de acesso à justiça, p. 74. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada, p. 384. Dinamarco faz semelhante ressalva, deixando claro que essas concessões de ofício ocorreriam em “possíveis situações particularmente graves” (cf. A arbitragem na teoria geral do processo, n. 88, p. 229).

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