9.6 - Flexibilidade sobre os pressupostos das tutelas de urgência - 9 - Tutelas de Urgência Perante o Tribunal Arbitral

9.6. Flexibilidade sobre os pressupostos das tutelas de urgência Diante de pedido de tutela de urgência, juízes estatais geralmente se utilizam da legislação nacional que regula as normas de direito processual nos limites da jurisdição daquele país (lex fori). Os árbitros, por sua vez, não estão sujeitos à lex fori e não precisam se apegar aos tipos de medidas (medidas típicas ou nominadas) previstas em determinada legislação nacional (supra, n. 3.3) ou aos pressupostos específicos e rígidos para concessão de alguns tipos de medidas. 1 Regulamentos e legislações arbitrais também, em regra, preferem não descrever os pressupostos necessários para as tutelas de urgência que os árbitros podem conceder. 2 Essas características conferem aos árbitros flexibilidade quanto à análise, conforme o tipo de tutela de urgência pleiteada, dos pressupostos que melhor se adaptem à concessão da proteção do direito material envolvido em litígio. Alguns tipos de medidas demandarão pressupostos mais fortes, enquanto a concessão de outras será possível com menor grau de intensidade. 3 Por outro lado, evita-se, assim, a existência de um quase formulário de pressupostos a serem preenchidos conforme o tipo de medida pleiteada. 4 Um exemplo bastante ilustrativo pode ser extraído da realidade brasileira. O Código de Processo Civil de 1973 estabelecia pressupostos específicos para as medidas de arresto ou sequestro, regulando, de forma bastante detalhada, o trabalho a ser realizado pelo juiz diante de tais pedidos. 5 Sabendo-se dessas peculiaridades, os árbitros estariam obrigados a demonstrar que tais pressupostos estão presentes para conceder uma medida de arresto ou sequestro? A resposta é negativa. Salvo acordo em sentido contrário pelas partes, as regras do Código de Processo Civil não são aplicáveis ao processo arbitral (supra, n. 2.2). Os árbitros não estão vinculados a requisitos específicos do Código de Processo Civil para a concessão ou não da medida. Os árbitros precisam analisar se estão presentes os pressupostos para a concessão da medida (infra, n. 9.7), mas sem se apegar às regras específicas do processo civil estatal. Essa afirmação não deve causar nenhum espanto no direito processual moderno. Também no processo estatal afirma-se a necessidade de o ordenamento não se recusar a “proteger uma situação substancial tutelável ou carente de tutela” em razão da falta de um pressuposto específico. 6 Caso assim não fosse, haveria “flagrante violação à promessa contida no art. 5º, XXXV, da CF”. 7 No mesmo sentido, para Scarpinella Bueno, a partir do modelo constitucional do processo civil, o magistrado deveria, no “exercício do ‘dever-poder geral de cautela’, determinar o arresto de bens sem observância do que exigem os arts. 813 a 821”. 8 Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, com base no poder geral de cautela estabelecido no art. 798 do Código de Processo Civil de 1973, também já admitia a propositura de demanda cautelar inominada, com os mesmos efeitos do arresto, “para fins de assegurar a eficácia de futura decisão em ação de indenização proposta pelo autor, caso lhe seja favorável”. 9 O Código de Processo Civil de 2015 eliminou as hipóteses de cautelares nominadas e os pressupostos específicos para a sua concessão — caminhando ao encontro do que já havia sido exposto neste trabalho desde a sua versão original. Embora com fundamentos diversos, a conclusão no processo arbitral deve ser idêntica àquela exposta pela doutrina processual moderna para o processo estatal. Tudo isso serve apenas para reforçar o fato de que inexiste qualquer motivo para surpresa na afirmação de que os árbitros não devem se ater a pressupostos específicos do processo civil estatal para a concessão de tutelas de urgência arbitrais. Sobre a maior liberdade dos árbitros com relação ao tipo de medidas, cf. exemplo dado por Lew, Mistelis, Kröll: “An arbitration tribunal with its seat in Germany, for example, may be empowered to order an English type freezing order blocking the assets of one of the parties while a German court cannot make such an order” (cf. Comparative international commercial arbitration, §§ 23-34, p. 594). Lei de Arbitragem, mesmo que talvez sem intenção, acaba seguindo essa linha. Nos regulamentos arbitrais, menção deve ser feita ao Regulamento ICDR-AAA, cuja redação do art. 24 (1) é propositadamente bem ampla: “At the request of any party, the tribunal may take whatever interim measures it deems necessary, including injunctive relief and measures for the protection or conservation of property”. Cf. comentários de GUSY, Martin F.; HOSKING, James M.; SCHWARZ, Franz T. A guide to the ICDR international arbitration, § 21.04, p. 205. Como relata Gary Born, “some provisional measures (e.g., preserving the status quo or ordering performance of a contract or other legal obligation) will typically require strong showings of serious injury, urgency and a prima facie case, while other provisional measures (e.g., preservation of evidence, enforcement of confidentiality obligations, security for costs) are unlikely to demand the same showings” (cf. International commercial arbitration, v. II, p. 1980). CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 407. Cf. relatório do Working Group II, A/CN.9/WG.II/W.P.108, p. 16. Apenas a título de exemplo, segundo o art. 813, o “arresto tem lugar: I – quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado; II – quando o devedor, que tem domicílio: a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores; III – quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV – nos demais casos expressos em lei”. Complementando o quase formulário, o art. 814 estabelece que, para a “concessão do arresto é essencial: I – prova literal da dívida líquida e certa; II – prova documental ou justificação de algum dos casos mencionados no artigo antecedente. Parágrafo único. Equipara-se à prova literal da dívida líquida e certa, para efeito de concessão de arresto, a sentença, líquida ou ilíquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa converter-se”. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo cautelar, v. 4, p. 201. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo cautelar, v. 4, p. 201. Cf. Curso sistematizado de direito processual civil, v. 4, p. 257. “É admissível o ajuizamento de ação cautelar inominada, com os mesmos efeitos do arresto, em face do poder geral de cautela estabelecido no art. 798 do CPC, para fins de assegurar a eficácia de futura decisão em ação de indenização proposta pelo autor, caso lhe seja favorável. Na hipótese, existe óbice à concessão desse procedimento específico – arresto – em razão da dívida não ser considerada líquida e certa (art. 814 do CPC), pois ainda em trâmite a outra demanda proposta contra o requerido” (STJ, REsp 753788 / AL, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 04.10.2005, DJ 14.11.2005, p. 400). Em sentido semelhante, cf. ainda STJ, REsp 909478/GO , Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 09.08.2007, DJ 27.08.2007, p. 249.

Uma experiência inovadora de pesquisa jurídica em doutrina, a um clique e em um só lugar.