10.1 - Cumprimento voluntário - 10 - Cumprimento e Efetivação das Tutelas de Urgência Concedidas por Árbitros

10.1. Cumprimento voluntário A efetivação das tutelas de urgência arbitrais apresenta, em princípio, peculiaridades análogas às da execução das sentenças arbitrais. 1 No campo do processo estatal, uma vez proferida determinada tutela de urgência, esta já segue o seu caminho natural de efetivação. 2 Em alguns casos, a mera prolação da decisão é suficiente para tutelar provisoriamente a parte, tal como ocorre no caso de tutelas meramente declaratória e constitutiva, com a antecipação total ou parcial dos seus efeitos. 3 Em outros casos, precisa-se da prática de atos materiais de efetivação, mesmo que sob o regime de execução provisória, para a entrega do bem da vida, como ocorre com as tutelas condenatória, mandamental e executiva. 4 De qualquer modo, o ponto a ser consignado é que, no processo estatal, mesmo nos casos em que são necessários atos materiais para efetivação, essas tutelas podem ser efetivadas imediatamente de forma forçada, desde que dentro dos limites territoriais do país onde foram proferidas. As tutelas de urgência proferidas por tribunais arbitrais, todavia, não possuem essa caraterística. Na sua origem, as decisões arbitrais possuem natureza distinta das decisões estatais.5 5 A falta de capacidade para impor suas decisões (ou seja, de executar ou efetivar medidas constritivas) faz com que elas recebam da doutrina a denominação de leges imperfectea (supra, n. 5.5.4). 6 Pode-se dizer, assim, que a autoridade dos tribunais arbitrais para conceder tutelas de urgência arbitrais só passa a ser totalmente completa se também for reconhecida a possibilidade de sua efetivação, por meio de assistência das cortes estatais (infra, n. 10.4) 7 A despeito dessa limitação inerente à origem privada da arbitragem, as decisões dos árbitros geralmente possuem certo peso natural. 8 O fato de a arbitragem possuir como fonte primária e essencial a manifestação de vontade das partes já faz com que as decisões arbitrais tenham uma “segura eficácia vinculante inter partes”. 9 Esse peso natural é reforçado pelo princípio da boa-fé objetiva, o qual impõe às partes o dever de não frustrar as legítimas expectativas criadas na outra a partir do momento no qual se decidiu resolver determinados litígios por meio de arbitragem. Desde que se convencionou que o árbitro (e não o juiz estatal) teria jurisdição para resolver eventuais litígios decorrentes de determinada relação jurídica, a expectativa foi criada na outra parte e o direito moderno possui relevante preocupação com a proteção de expectativas legítimas. 10 Assim, a primeira e menos problemática forma de atuação das tutelas de urgência arbitrais é, obviamente, o cumprimento voluntário. 11 A doutrina arbitralista indica que, em regra, as tutelas de urgência arbitrais são cumpridas voluntariamente. 12 Existem, aliás, estudos empíricos confirmando essa afirmação e constatandoque, na maioria dos casos, há realmente o cumprimento voluntário da decisão do árbitro. 13 A razão para tanto pode ser mais simples do que se imagina. Como explicado anteriormente, parece ser razoável supor que a decisão arbitral se impõe às partes em razão da confiança depositada nos árbitros (supra, n. 5.2). Além disso, em muitos casos, durante o curso do processo arbitral as partes geralmente tentam convencer os árbitros sobre o devido cumprimento das obrigações assumidas contratualmente e, consequentemente, o descumprimento pela parte adversa. Na pior hipótese, admite-se o descumprimento da obrigação contratual, mas se imputa à parte adversa a responsabilidade por essa falha. Diante desse cenário, nada seria mais contraditório do que, de um lado, alegar a culpa da parte contrária por determinado descumprimento contratual e, do outro, descumprir a tutela de urgência concedida pelo árbitro. Como observa Schwartz, partes que desejam ser reconhecidas pelos árbitros como bons cidadãos, prejudicadas por seus adversários, geralmente não vão desafiar ordens dadas por aqueles que eles pretendem convencer da justiça de seus pedidos. 14 CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 485. Será utilizado, neste capítulo, o vocábulo efetivação para expressar os atos materiais destinados à satisfação da parte beneficiada pela tutela de urgência arbitral. Embora haja quem afirme que o “emprego de outra palavra, em lugar do termo clássico ‘execução’, como cumprimento, efetivação ou atuação, em muito pouco altera a natureza da respectiva operação” (cf. ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença, p. 4), será dada preferência ao termo efetivação por ser mais amplo. Sobre o assunto, cf. YARSHELL, Flávio Luiz. Efetivação da tutela antecipada: uma nova execução civil?, p. 330 e ss. As tutelas de urgência (conservatórias ou antecipatórias) produzem efeitos imediatos, ao contrário das sentenças, cujos efeitos, em regra, de acordo com a legislação processual brasileira em vigor, permanecem suspensos caso haja interposição de apelação (CPC/2015, art. 1.012, caput). O chamado efeito suspensivo, conforme lição de José Carlos Barbosa Moreira, “não faz cessar os efeitos que já se estivessem produzindo, apenas prolonga o estado de ineficácia que se encontrava a decisão, pelo simples fato de estar sujeita à impugnação através do recurso” (cf. O novo processo civil brasileiro, p. 123). O fato de a antecipação, com base em cognição sumária, ser mais efetiva do que decisão proferida com base em cognição exauriente traz em si uma aparente contradição. No entanto, essa contradição não se justifica na prática porque a produção imediata de efeitos possui a finalidade de exatamente assegurar a efetividade da tutela final (cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada, p. 379; ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela e colisão, p. 154). Por isso é que a doutrina denomina as sentenças decorrentes de pretensões declaratórias ou constitutivas de autossuficientes ou autossatisfativas (cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 147). Cf. ainda BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Cumprimento e execução de sentença: necessidade de esclarecimentos conceituais, p. 25. Hoje em dia não há mais espaço para se negar a possibilidade de tutelas declaratória e constitutiva terem sua “eficácia prática total ou parcialmente antecipada” (cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada, p. 400). LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória, p. 207 e ss.; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Cognição e decisões do juiz no processo executivo, p. 359; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Cumprimento e execução de sentença: necessidade de esclarecimentos conceituais, p. 14. Proto Pisani bem ressalta que “il processo di cognizione è incapace, per adotare una espressione di Carnelutti, di adeguare il diritto al fatto, di ridurre le parole ai fatti” (cf. Lezione di diritto processuale civile, p. 693). Andrea Carlevaris, ao se referir à decisão arbitral, afirma que “essa sarebbe priva proprio di quell’idoneità a ricevere attuazione coattiva, che solo la verifica giudiziale è in grado di conferirle” (cf. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 261). Como pondera Markus Wirth, diante do cenário suíço, mas com validade geral: “with the exception of self-executing declaratory orders (…), interim measures are leges imperfectae since a Swiss arbitral tribunal itself has no authority to enforce them” (cf. Interim or preventive measures in support of international arbitration in Switzerland, p. 38). Também afirmando que as decisões dos árbitros não são títulos diretamente executáveis, cf. SCHWARTZ, Eric A. Pratique et expérience de la Cour de la CCI, p. 59; VEEDER, V. V. Conservatory and provisional measures, p. 21. KOJOVIĆ, Tijana. Court enforcement of arbitral decisions on provisional relief: how final is provisional?, p. 511. BOND, Stephen. La nature des mesures conservatoires et provisoires, p. 16-17. CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 490. Tommaseo observa que a efetividade “dei provvedimenti cautelare pronunciati dagli arbitri deve essere misurata tenendo conto dell´ambiente in cui essi vengono pronunciati: la volontà delle parti che à la fonte del potere degli arbitri è anche, nella grande maggioranza dei casi, la fonte della effetività dei loro provvedimenti” (cf. Lex fori e tutela cautelare nell’arbitrato commerciale internazionale, p. 28). CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 490; CARLEVARIS, Andrea. The enforcement of interim measures ordered by international arbitrators: different legislative approaches and recent developments in the amendment of the UNCITRAL Model Law, p. 14. Sobre a proteção de expectativas legítimas e a boa-fé objetiva, cf. TEPEDINO, Gustavo; HELENA BARBOSA, Heloisa; BODIN DE MORAIS, Maria Celina. Código Civil interpretado, v. 2, p. 15 e ss. Anderson Schreiber enxerga hipótese de venire contra factum proprium no caso de as partes não respeitarem a posição anteriormente acordada de resolver determinado litígio por arbitragem (cf. A proibição do comportamento contraditório: venire contra factum proprium e tutela da confiança, p. 251 e ss.). A partir do momento que as partes estabelecem que a sentença arbitral terá eficácia obrigatória entre elas e depois descumprem injustificadamente essa obrigação, naturalmente também praticam venire contra factum proprium. CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 486. José Carlos Barbosa Moreira, em artigo dedicado especificamente a abordar a relação entre “cumprimento” e “execução” de sentença, afirma que: “Na tradição da linguagem jurídica brasileira, ‘cumprimento’ é vocábulo empregado para designar um comportamento voluntário” (cf. Cumprimento e execução de sentença: necessidade de esclarecimentos conceituais, p. 20). Sobre o assunto, cf. ainda AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução da sentença sob a ótica do formalismo-valorativo, n. 6.3, p. 182 e ss. Dentre outros, cf. LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan M. Comparative international commercial arbitration, §§ 23-83, p. 609; BORN, Gary. International commercial arbitration, v. 2, p. 2.018; YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, §§ 6-2, p. 238; CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 486; BOND, Stephen. La nature des mesures conservatoires et provisoires, p. 17; TOMMASEO, Ferrucio. Lex fori e tutela cautelare nell’arbitrato commerciale internazionale, p. 28. Dois estudos são geralmente citados para justificar essa afirmação: (i) o primeiro, da AAA, indica que em 90% (45 do total de 50) das arbitragens domésticas e internacionais as partes cumpriram a ordem do tribunal arbitral; e (ii) o segundo, do Centro Regional do Cairo de Arbitragem Comercial Internacional, indica que todas as quatro ordens proferias pelo tribbunal arbitral no ano de 2000 foram cumpridas (cf. CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 486, nota de rodapé 2; YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, §§ 6-2, p. 238, nota de rodapé 2). Mas não são apenas dois estudos. No regime do antigo référé pré-arbitral da CCI, Gaillard e Pinsolle apontam, em artigo publicado em 2004, que todas as ordens proferidas naquele procedimento específico haviam sido voluntariamente cumpridas (cf. The ICC pre-arbitral refere: first practical experiences, p. 19). Em 2008, a Queen Mary University e a Pricewaterhouse Coopers conduziram estudo no qual também houve a constatação, por meio de entrevistas, de que a grande maioria das decisões arbitrais é cumprida voluntariamente: “84% of the participating corporate counsel indicated that, in more than 76% of their arbitration proceedings, the non-prevailing party voluntarily complies with the arbitral award; in most cases, according to the interviews, compliance reaches 90%” (cf. International arbitration: corporate attitudes and practices 2008, p. 8). SCHWARTZ, Eric A. Pratique et experience de la cour de la CCI, p. 59 (“la principale source du pouvoir de coercition des arbitres réside dans l´arbitrage qu´ils exercent sur le fond du différend entre les parties. Des parties cherchant à se présenter devant les arbitres comme de bons citoyens victimes de leur adversaire, ne voudront pas, en général, faire fi des instructions que leur donnent ceux qu´ils veulent convaincre de la justice de leur cause”).

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