10.3 - Diferentes graus de efetividade e de necessidade de assistência do juiz - 10 - Cumprimento e Efetivação das Tutelas de Urgência Concedidas por Árbitros

10.3. Diferentes graus de efetividade e de necessidade de assistência do juiz Não obstante atualmente já se reconheça a possibilidade de os árbitros se valerem de mecanismos sancionatórios objetivando a efetividade de suas decisões (supra, n. 10.2), fato é que esses nem sempre são úteis ou essenciais para fazer com que determinada tutela de urgência concedida pelo árbitro seja efetiva. 1 De acordo com o tipo de proteção conferida à situação da vida retratada e a consequência que os árbitros possam extrair do descumprimento, existem diferentes graus de necessidade de assistência das cortes estatais. 2 Embora não seja possível, nos limites deste trabalho, desenvolver o tema de forma detalhada em razão da grande variedade de situações da vida, apresentam-se aqui alguns exemplos para justificar a afirmação feita acima. 3 Grosso modo, três tipos de cenários podem ser diferenciados: (i) cenário no qual a assistência das cortes estatais é essencial para garantir a efetividade da tutela de urgência proferida pelos árbitros; (ii) cenário no qual a assistência das cortes estatais é importante, mas não é essencial para garantir a efetividade da tutela de urgência proferida pelo árbitro, pois eventual sanção é suficiente para penalizar a parte recalcitrante; (iii) cenário no qual a cooperação das cortes estatais não é essencial para garantir a efetividade da tutela de urgência e não há necessidade de sanção. Com relação ao primeiro cenário, exemplo bastante claro diz respeito às medidas para garantir a viabilidade de futura execução da sentença arbitral (supra, n. 3.4.3). Se determinada parte deseja se desfazer de seus bens ou do objeto do litígio para frustrar a satisfação de futura sentença arbitral, de nada adianta que o árbitro acrescente, na decisão final, multa coercitiva pelo período de descumprimento ou condenação ao pagamento de despesas e danos processuais. 4 A tentativa de frustrar a satisfação da sentença arbitral pode ocorrer, por exemplo, por meio de transferência de bens ou do objeto do litígio a terceiros a paraíso fiscal ou até mesmo a país não signatário da Convenção de Nova Iorque, impossibilitando a fruição da sentença arbitral. A necessidade de assistência das cortes estatais para efetivar tutelas de urgência proferidas pelos árbitros precisa, assim, ser tanto maior quanto menor for a probabilidade de a parte prejudicada com a medida cumprir a ordem dos árbitros ou continuar a sua relação com a parte adversa. Nos casos em que a preocupação principal é que a futura sentença arbitral seja infrutífera em razão de táticas maliciosas, o papel das cortes estatais, em assistência à jurisdição arbitral, é imprescindível. 5 Com relação ao segundo cenário, no qual a assistência das cortes estatais não é essencial porque eventual sanção é geralmente suficiente, pode-se citar como exemplo o pedido de exibição de documento. Com exceção da hipótese em que o pedido de exibição seja objeto da própria pretensão de direito material e, portanto, imprescindível (por exemplo, exibição de livros contábeis a sócio minoritário), na grande maioria das vezes a exibição do documento objetiva a melhor instrução do processo. Eventual negativa injustificada de exibição de determinado documento pode ser satisfatoriamente punida pela sanção de inferência adversa (supra, n. 10.2.2). Dependendo do caso concreto, a necessidade de auxílio das cortes estatais visando à busca e apreensão de documento pode ser dispensada, pois os árbitros possuem em suas mãos a possibilidade de sancionar adequadamente a parte recalcitrante por meio de inferências adversas. 6 Com relação ao terceiro cenário, há casos em que tanto a assistência das cortes estatais quanto a aplicação de sanções são desnecessárias, pois a decisão do tribunal arbitral, por si só, já é capaz de tutelar a parte interessada. Essa situação decorre em razão do tipo de tutela pleiteado pela parte interessada. É o caso de tutelas autossuficientes (self-executing), como as declaratórias e constitutivas. Exemplificativamente, não há necessidade de se buscar assistência das cortes estatais quando os árbitros emitem tutelas de urgência (i) suspendendo os efeitos de decisão assemblear; (ii) suspendendo provisoriamente a autoridade de um indivíduo para representar determinada parte; (iii) suspendendo ou dando autorização para a parte interessada suspender algum trabalho ou cumprimento de alguma obrigação contratual; (iv) autorizando a parte interessada a vender imediatamente produtos perecíveis; ou (v) autorizando a parte interessada a executar eventual garantia contratual. 7 Como se pode perceber, a real necessidade de auxílio das cortes estatais está relacionada ao tipo de provimento jurisdicional pleiteado e pode variar substancialmente. Essas variações estão ligadas diretamente com o direito material controvertido em litígio, mas ganham peculiaridades interessantes no cenário arbitral. CARLEVARIS, Andrea. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 501-502. Cf. relatório do Working Group II, A/CN.9/WG.II/WP.108, p. 18-19. Lapiedra Alcamí afirma que “existe cierto tipo de medidas cautelares que no necessariamente llevan aparejada una ejecución para ser eficaces” (cf. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 139). YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, §§ 6-12, p. 243. Carlevaris: “l’utilità di un efficace apparato esecutivo sembra massima rispetto a provvedimenti destinati a garantire l’esecuzione del futuro lodo, che per definizione sfugge al potere sanzionatorio degli stessi arbitri” (cf. La tutela cautelare nell’arbitrato internazionale, p. 502). Cf. relatório do Working Group II, A/CN.9/WG.II/WP.108, p. 19. Menciona-se, ainda, que algumas questões relacionadas com a condução da arbitragem ou da relação das partes durante o processo arbitral também podem ser devidamente sancionadas pelos árbitros: “there may also be a need for enforcing measures related to conduct of arbitration and to relations between arbitrating parties after a dispute has arisen. The threat of possible liability for costs or damages may assist with the compliance when a party does not voluntarily abide with the measure ordered” (cf. YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, §§ 6-12, p. 243). Cf. ainda relatório do Working Group II UN Doc A/CN.9/WG.II/WP.108, p. 18-19. Os três primeiros exemplos são de Markus Wirth, Interim or preventive measures in support of international arbitration in Switzerland, p. 32-33. Os dois últimos são de KURTH, Christoph; SEGESSER, Georg von. International arbitration in Switzerland, p. 85.

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