10.4 - Papel das cortes estatais para efetivação das tutelas de urgência - 10 - Cumprimento e Efetivação das Tutelas de Urgência Concedidas por Árbitros

10.4. Papel das cortes estatais para efetivação das tutelas de urgência Demonstrou-se, neste capítulo, que as tutelas de urgência arbitrais proferidas pelos árbitros são cumpridas voluntariamente, de forma espontânea ou induzida, na maioria das vezes (supra, n. 10.1-10.2). As tutelas de urgência arbitrais, todavia, não serão realmente efetivas, a não ser que a parte interessada tenha a faculdade de obter a sua efetivação de forma forçada. 1 Eventual sanção imposta à parte recalcitrante nem sempre possui a capacidade de entregar o mesmo tipo de satisfação quando comparada ao cumprimento específico da medida (supra, n. 10.3). A autoridade dos árbitros para conceder tutelas de urgência arbitrais, assim, só passa a ser totalmente completa se também for reconhecida a possibilidade de efetivação dessas medidas por meio das cortes estatais. 2 Tratando-se propriamente de execução de decisões arbitrais (i.e., exercício de imperium), a competência é exclusiva das cortes estatais ou de agentes autorizados pelo Estado (supra, n. 5.5.4). 3 Cada país possui soberania para regular o modo como os atos de efetivação das decisões arbitrais devem ocorrer dentro de seu território. A autonomia da vontade das partes, nesse aspecto, não possui nenhuma influência. 4 Em passado não tão distante, a efetivação, perante as cortes estatais, das tutelas de urgência proferidas por árbitros apresentava problemas significantes. A interpretação majoritária era que apenas as sentenças arbitrais seriam passíveis de execução. 5 A provisoriedade das tutelas de urgência excluiria a possibilidade de sua execução imediata. 6 Mais recentemente, algumas legislações passaram a regular o assunto de forma expressa, como é o caso da Suíça, Inglaterra e Alemanha, que serão analisadas de forma sumária mais abaixo. A França, por exemplo, reconhecida por sua posição de vanguarda no campo arbitral, até recentemente apenas regulava a matéria por meio da sua jurisprudência. Os Estados Unidos da América, até de forma mais natural, em razão da construção do seu direito preponderantemente por meio de precedentes, regulam o assunto somente por meio da sua jurisprudência. 7 O fato de existirem legislações que não abordam o modo como será realizada a efetivação das tutelas de urgência proferidas pelos árbitros ou, quando abordam, fazem-no de forma precária, contribui para incertezas no momento em que se deveria entregar a tutela — e, não se pode esquecer, tutela significa amparo, ajuda 8 — de forma célere e efetiva. 9 A questão da efetivação das tutelas de urgência, mesmo que de forma lenta, passou a ser vista com mais atenção. A UNCITRAL, percebendo a importância do tema das tutelas de urgência no processo arbitral e, principalmente, de que a efetivação das tutelas de urgência (enforcealibity) ainda é um dos pontos mais problemáticos, decidiu organizar grupos de trabalho (Working Groups) com a finalidade de seguir elaborando normas sobre a matéria. 10 Em março de 2000, na 32ª sessão, o Secretário-Geral da UNCITRAL apresentou relatório com a finalidade de instituir e guiar os trabalhos de dois Working Groups: um sobre conciliação e o outro sobre tutelas de urgência, com principal enfoque na efetivação das medidas. 11 Desenvolvidos os trabalhos por anos, em 2006 a Lei Modelo da UNCITRAL sofreu diversas alterações, muitas já mencionadas ao longo deste trabalho. Especificamente no que diz respeito à efetivação das tutelas de urgência, o novo art. 17-H (1) prevê que a tutela de urgência “concedida por um tribunal arbitral é obrigatória e, salvo disposição em contrário do tribunal arbitral, pode ser executada mediante requerimento dirigido à corte competente, independentemente do país onde proferida”. 12 A redação do art. 17-H (1) será objeto de análise mais detida em seguida (infra, n. 10.5.2). BORN, Gary. International commercial arbitration, v. 2, p. 2.018; CARLEVARIS, Andrea. The enforcement of interim measures ordered by international arbitrators: different legislative approaches and recent developments in the amendment of the UNCITRAL Model Law, p. 14; FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Fouchard, Gaillard, Goldman on international commercial arbitration, § 1.302, p. 708. POUDRET, Jean-François; BESSON, Sébastien. Comparative law of international arbitration, par.630, p. 539; KOJOVIĆ, Tijana. Court enforcement of arbitral decisions on provisional relief: how final is provisional?, p. 511. Conforme lembram Fouchard, Gaillard e Goldman: “The courts’ exclusive jurisdiction over the enforcement of judicial decisions, whether court judgments or arbitral awards, prevents arbitrators from hearing such issues” (cf. Fouchard, Gaillard, Goldman on international commercial arbitration, § 1.323, p. 719). FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Fouchard, Gaillard, Goldman on international commercial arbitration, § 1.323, p. 719. BESSON, Sébastien. Arbitrage international et measures provisoires, p. 296 e ss. LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan M. Comparative international commercial arbitration, §§ 23-84, p. 609-610. KOJOVIĆ, Tijana. Court enforcement of arbitral decisions on provisional relief: how final is provisional?, p. 511. DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional, p. 351 e ss.; CARMONA, Carlos Alberto. Contrato de joint venture, p. 157. YESILIRMAK, Ali. Provisional measures in international commercial arbitration, §§ 6-17, p. 245, nota de rodapé n. 43; BORN, Gary. International commercial arbitration, v. 2, p. 2.018. Tijana Kojović faz alerta de que a maioria das legislações, ao prever a possibilidade de assistência para efetivação, o faz de forma muito simples ou permite um substancial controle pelas cortes estatais, de forma a desnaturar a decisão do árbitro: “The arbitration statutes which do provide for court enforcement fail to offer a comprehensive solution to the problem. In some countries, decisions on provisional relief are subject to substantive court review, so that one cannot speak of pure enforcement proceedings” (cf. Court enforcement of arbitral decisions on provisional relief: how final is provisional?, p. 511). Alguns países, como os Estados Unidos da América, desenlvolveram sua prática sob o assunto apenas com base na evolução jurispridencial (cf. HOELLERING, Michael. Pratique et experience de l’AAA, p. 32 e ss.). ALCAMÍ, Lapiedra. Medidas cautelares en el arbitraje comercial internacional, p. 69. Cf. relatório geral UN Doc A/CN.9/WG.II/WP.108, p. 3 e ss. Em novembro de 2000, já se produziu dois novos relatórios sobre o assunto: UN Doc A/CN.9/WG.II/WP.110 e UN Doc A/CN.9/WG.II/WP.110. Cf. redação original e completa: “An interim measure issued by an arbitral tribunal shall be recognized as binding and, unless otherwise provided by the arbitral tribunal, enforced upon application to the competent court, irrespective of the country in which it was issued, subject to the provisions of article 17-I”.

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