10.6.2 - Expedição de carta arbitral pelos árbitros - 10.6 - Efetivação das tutelas de urgência nacionais

10.6.2. Expedição de carta arbitral pelos árbitros O art. 22, § 4º, da Lei de Arbitragem, previa que o árbitro era responsável por solicitar, caso houvesse necessidade, auxílio das cortes estatais para efetivação das tutelas de urgência. Em decorrência dos termos daquele dispositivo legal ora revogado, a doutrina arbitralista entendia, em sua maioria, que caberia ao árbitro ou presidente do tribunal arbitral (e não às partes) solicitar às cortes estatais a efetivação forçada da medida concedida pelo árbitro. 1 Essa posição era semelhante ao previsto, por exemplo, nos casos de arbitragens internacionais na Suíça. Lá, tanto quanto aqui, há previsão de que o árbitro deva solicitar auxílio das cortes estatais para efetivação das tutelas de urgência, mas existe opinião admitindo que a parte interessada também tem a faculdade de apresentar pedido de auxílio. 2 Ao tratar da agora denominada carta arbitral, o art. 22-C dispõe que “o árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territo rial, de ato solicitado pelo árbitro”. Não há nenhuma dúvida, assim, de que a comunicação poderá ser feita diretamente pelos árbitros e do papel limitado dos juízes no que diz respeito à revisão do mérito da decisão proferida (infra, n. 10.6.3). Em realidade, o art. 22-C, da Lei de Arbitragem, nada mais fez do que consolidar a melhor prática, por meio da qual o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral já se utilizava de ofício para comunicar ao juízo estatal o teor da tutela de urgência concedida e solicitar auxílio para a sua efetivação prática, de forma semelhante à prática das cartas precatórias. 3 A carta arbitral pode ser expedida tanto a pedido da parte interessada quanto ex officio e, em regra, deve ser instruída com (i) cópia da convenção de arbitragem; (ii) prova da nomeação dos árbitros; (iii) prova de aceitação do encargo pelos árbitros, de forma a possibilitar uma análise mínima da regularidade do pedido (CPC/2015, art. 260, § 3º). 4 A solicitação de auxílio é sempre do tribunal arbitral. 5 Coisa totalmente diversa é o envio da carta arbitral expedida pelo tribunal arbitral. O que pode ser realizado tanto pelos árbitros como, se houver necessidade, pela parte interessada. No caso, o tribunal arbitral expede a carta arbitral e autoriza a parte interessada a ficar encarregada dos atos necessários para distribuição do pedido de auxílio. É assim que já ocorre com cartas precatórias e rogatórias em processos estatais. Não se pode esquecer, porém, que a parte eventualmente auxilia na distribuição da carta arbitral, mas que o titular do pedido de assistência é sempre o órgão arbitral. 6 Além do mais, conforme expressamente estabelecido no art. 22-C, parágrafo único, “no cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem”. Mais uma vez, a confidencialidade pode ser comprovada tanto por meio de estipulação expressa das partes ou mediante previsão nesse sentido no regulamento arbitral. 7 Como se pode perceber, não se trata de demanda judicial para efetivar a medida, mas mero pedido de auxílio. Consequência disso é que inexiste a necessidade de citação do executado ou abertura de prazo para impugnar a decisão. Todos esses atos já ocorreram ou deveriam ter ocorrido perante a jurisdição arbitral. 8 Cf., dentre outros, LYRA, Michele. Tutela de urgência e arbitragem: mecanismos de acesso à justiça, p. 77; CÂMARA, Alexandre. Das relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário, p. 2 e ss.; FIGUEIRA JR., Joel. Arbitragem, jurisdição e execução, p. 224; BERMUDES, Sergio. Medidas coercitivas e cautelares no processo arbitral, p. 279. Em opinião parcialmente divergente, Pedro Batista Martins entendia que “somente o árbitro poderá solicitar a imposição da medida ao juiz togado”, mas admitia, ao mesmo tempo, que, “alternativamente, o próprio interessado, desde que munido da determinação escrita do juízo arbitral”, poderia procurar o auxílio da corte estatal (cf. Da ausência de poderes coercitivos e cautelares do árbitro, p. 363). Em outra parte, o autor mencionava que o “requerimento ao juízo ordinário pode ser feito pela própria parte interessada, através de seus advogados, e, não pelo árbitro, necessariamente, o que evita complicadores operacionais para este (v.g. escolha de advogado; avaliação da razoabilidade dos honorários a serem pagos; exigência de depósito prévio para custeio das despesas) e não põe em risco a imparcialidade do julgador” (cf. Da ausência de poderes coercitivos e cautelares do árbitro, p. 366). É o que relata Markus Wirth: “The tribunal can, however, pursuant to Art. 183 § 2 PILA ‘if the party concerned does not voluntarily comply with the [interim] measures… request the assistance of the competent state court’. Although the PILA is silent on the point, it is argued that such request for assistance may also be submitted by one of the parties” (cf. Interim or preventive measures in support of international arbitration in Switzerland, p. 38). CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo, p. 325; CÂMARA, Alexandre. Das relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário, p. 11; BENETI, Sidnei. Arbitragem e tutela de urgência, p. 104; CATRAMBY, Alexandre. Das relações entre o tribunal arbitral e o Poder Judiciário para a adoção de medidas cautelres, p. 91. O Comitê Brasileiro de Arbitragem, inclusive, disponibiliza em seu site um modelo de carta arbitral a ser utilizada pelos árbitros. Disponível em: [cbar.org.br/site/carta-arbitral]. Acesso em: 10.05.2016. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo, p. 325. Para Joel Figueira Jr. a única formalidade é a prova de existência da convenção de arbitragem (cf. Arbitragem, jurisdição e execução, p. 223). Alexandre Catramby indica um rol mais amplo, utilizando-se, por meio de analogia, dos requisitos da carta precatória prevista no art. 202 do Código de Processo Civil (cf. Das relações entre o tribunal arbitral e o Poder Judiciário para a adoção de medidas cautelres, p. 91-92). Diferentemente do modelo do exequatur, analisado acima, no modelo da assistência “one may note that the court assistance proceedings can only be initiated by an arbitral tribunal” (cf. KOJOVIĆ, Tijana. Court enforcement of arbitral decisions on provisional relief: how final is provisional, p. 519). Cf. ainda BESSON, Sébastien. Arbitrage international et measures provisoires, p. 305. O CPC/2015 também positivou os pedidos de auxílio do árbitro, colocando a carta arbitral ao lado das demais cartas (de ordem, precatória e rogatória), fazendo referência à efetivação de tutela provisória. De acordo com o art. 237, inc. IV, será expedida carta “arbitral, para que o órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área da sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória”. Mais à frente, o CPC/2015 regula como deve ser expedida a carta. Cf. redação do art. 260, § 3º: “A carta arbitral atenderá, no que couber, aos requisitos a que se refere o caput e será instruída com a convenção de arbitragem e com as provas da nomeação do árbitro e da sua aceitação da função”. Há previsão de confidencialidade nos regulamentos das principais instituições arbitrais brasileiras. Sobre o assunto, cf. CARRETEIRO, Mateus Aimoré. Ad hoc and institutional arbitration in Brazil: a practical approach, n. § 3.05. HOFFMAN, Paulo. Arbitragem: algumas dúvidas processuais quando o juízo estatal é chamado a intervir, p. 317.

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