77 - Perda de uma chance - Capítulo XI - Licitude, ilicitude, dano e responsabilidade - Instituições de direito civil, volume I, tomo II: parte geral

77. Perda de uma chance No âmbito da responsabilidade civil, todo ato ilícito que provoque dano a outrem é passível de indenização, que pode ser a “restituição da coisa perdida”, 1 ou sua compensação, nos casos em que o bem jurídico violado não possa ser restituído. Isso porque “a prática do ato ilícito coloca o que sofreu o dano em posição de recuperar, da forma mais completa possível, a satisfação de seu direito, recompondo o patrimônio perdido ou avariado do titular prejudicado.” 2 A quantificação da reparação do dano material é relativamente simples de se fazer. O que se discute muito, hoje em dia, é a reparação do dano moral. Quando ocorre um dano a um direito da personalidade, que não tem natureza patrimonial, configura-se o dano moral. Como diz Maria Helena Diniz, “o dano moral não é a abstrata lesão do direito, mas de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica provocada pelo fato lesivo, constituindo-se no efeito não patrimonial da lesão jurídica.” 3 A intenção da reparação do dano moral não é reparar a dor em si que a vítima (direta ou indireta) sofreu em decorrência da lesão a certo bem jurídico, porque “é impossível restaurar o bem lesado”. 4 O que se almeja, com a reparação pecuniária é “proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada”. 5 Para se averiguar se há ou não o dever de indenizar, no entanto, se faz necessário estudar o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Isto porque “o sistema geral do CC é o da responsabilidade civil subjetiva ( CC 186 ), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar, é necessária a existência: (a) do dano; (b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano; (c) da culpa lato sensu (culpa – imprudência, negligência ou imperícia – ou dolo) do agente. O sistema subsidiário do CC é o da responsabilidade civil objetiva (CC 927 par.ún.), que se funda na teoria do risco: para que haja o dever de indenizar, é irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência: (a) do dano; e (b) no nexo de causalidade entre o fato e o dano”. 6 Nota-se que é imprescindível, para que haja qualquer tipo de indenização, a comprovação de que, de fato, houve dano. O dano não pode ser hipotético; ele tem que ser demonstrado. No caso da teoria da perda de uma chance, “os danos causados pela perda de uma chance podem ser indenizados, desde que oriundos de ato ilícito (CC 186 e 187). (...) A perda da chance pode ensejar composição dos danos, quer se trate de responsabilidade contratual, quer de extracontratual”. 7 É claro que quando a perda de uma chance causa um dano material, a quantificação da indenização será feita de maneira mais objetiva e simples. No caso do dano causado ser moral, a quantificação dependerá, na maioria das vezes, da análise do grau de culpa do agente: se foi grave, leve ou levíssima. Tomemos por exemplo um caso julgado recentemente pelo STJ, em que a relatora, Min. Nancy Andrighi, reduziu o valor de uma indenização por danos morais, baseando-se na teoria da perda de uma chance. Trata-se de um pedido de indenização movido pelo espólio de uma paciente contra seu médico oncologista, que culminou no REsp 1254141 , publicado em 20.02.2013. Provou-se que o médico teve culpa no resultado morte de sua paciente, pois escolheu mal o tratamento a que ela foi submetida, realizou uma operação que não retirava de forma integral a mama afetada pelo câncer, e ainda não a aconselhou de forma adequada quanto a uma futura gravidez. A Ministra, ao argumentar sobre a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance na seara médica, disse: “A perda da chance, em verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final. Nessas situações, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou a paciente. Com isso, resolve-se, de maneira eficiente, toda a perplexidade que a apuração do nexo causal pode suscitar.” 8 É claro que o resultado morte de um paciente de câncer não é causado exclusivamente por culpa do médico, mas basta que este prive o doente de uma chance de cura, por mais remota que esta possa ser, para que se configure a perda de uma chance. Como diz Miguel Kfouri Neto, “admite-se que a culpa do médico comprometeu as chances de vida e a integridade do paciente”, sendo que “a culpa é precisamente não ter dado todas as oportunidades (“chances”) ao doente.” 9 Nery-Nery. Código Civil Comentado. 11.ª ed. São Paulo: RT, 2014, coment. 9 CC 186 , pp. 555-556. Idem, ibidem Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – vol. 7 Responsabilidade Civil. 26.ª Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 113. Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – vol. 7 Responsabilidade Civil. 26.ª Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 125. Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – vol. 7 Responsabilidade Civil. 26.ª Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 126. Nery, Código Civil Comentado, cit., coment. 3 CC 927 , p. 1190. Idem, coment. 25 CC 927 , p. 1195. STJ, REsp 1254141 . 3.ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, DJE 20.02.2013, p. 8. Kfouri Neto, Miguel. “Graus da Culpa e Redução Equitativa da Indenização”. In: Doutrinas Essenciais. Direito Civil. Parte Geral. Vol. IV. RT: São Paulo, 2011, p. 832.

77. Perda de uma chance

Uma experiência inovadora de pesquisa jurídica em doutrina, a um clique e em um só lugar.