Orgãos colegiados de política urbana

ÓRGÃOS COLEGIADOS DE POLÍTICA URBANA A Constituição de 1988 enfatizou a formação de grupos sob a forma de associações e cooperativas e reservou vários dos incisos do art. 5.º – dos direitos e garantias fundamentais – a essa exteriorização do gregarismo social. 1 Pretendeu-se com isso, estimular a cidadania a uma participação mais ativa na gestão da coisa pública. E nada mais público do que o espaço cidadão. A cidade é a instância natural de desenvolvimento da vida comunitária. Certo incremento da colegialidade participativa é constatável nas últimas décadas. “Em várias áreas ligadas aos direitos sociais, os conselhos de políticas integram uma nova institucionalidade democrática do Brasil pós-democratização e pós-Constituição de 1988, que combina elementos da Democracia representativa e participativa, dando margem ao surgimento de um público não estatal e de um privado não mercantil”. 2 O papel desempenhado pelas ONGs não pode ser menosprezado. E 2001 foi o ano do voluntariado, e com êxito tamanho, que a década passou a ser dedicada a essa conclamação. Os Conselhos não surgiram agora. Essa é uma formulação antiga – o Brasil sempre contou com Conselhos – mas vem com fisionomia nova. A cidadania está mais consciente, mais atuante e mais participativa. E não há se falar em mero aconselhamento, dispensável a critério da hierarquia, mas em “caráter compartilhado na formulação, gestão, controle e avaliação das políticas públicas. Esta participação com igualdade de poderes é inteiramente nova para o Estado, em especial para a Administração Pública, habituada à centralização das decisões e pelo uso descabido do argumento do poder discricionário mesmo em matéria de direitos humanos, especialmente de direitos sociais”. 3 Estão a funcionar no Brasil de nossos dias – dentre outros – o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Nacional de Assistência Social, o da Criança e do Adolescente – CONANDA, o da Segurança Pública – CONSEG, o do Meio Ambiente – CONAMA, não apenas na esfera federal, mas também nas estaduais e municipais. A instância mais apropriada ao funcionamento eficaz de um conselho responsável pela formulação da política urbana é o Município. Algumas leis orgânicas já o preveem. Se o município não o possuir, deverá criá-lo. Se já contar com ele, deverá adaptá-lo para servir como espaço de interlocução política e administrativa entre o governo local e a sociedade civil. Com isso se cumprirá o preceito do inc. Xii do art. 29 da CF/1988: cooperação das associações representativas no planejamento municipal. Princípio enfatizado com o comando do art. 43 do Estatuto da Cidade. Convém distinguir entre desenvolvimento urbano e desenvolvimento municipal, como o faz José Afonso da Silva. O desenvolvimento urbano “consiste na ordenada criação, expansão, renovação e melhoria dos núcleos urbanos”. 4 Já o desenvolvimento municipal é muito mais amplo. Existem aspectos da vida municipal que não são apenas urbanos, mas interferem com a zona rural, com a vocação agrícola ou ecoturística, não se referindo apenas ao setor urbano. Lei municipal criará o conselho de desenvolvimento urbano, com previsão de composição, duração dos mandatos, forma de indicação ou eleição dos participantes, atribuições, definição de seu papel como órgão consultivo ou de- liberativo. Ele poderá ser paritário, com participação equivalente do Poder Público e da sociedade civil ou tripartite. Aqui, a participação da sociedade civil se dividiria em dois grupos: um de usuários do espaço urbano – associações de bairros, de moradias, ONGs, entidades ambientalistas, entidades profissionais de engenheiros, arquitetos, sindicalistas, paisagistas, urbanistas etc.) e outro de integrantes de setores empresariais vinculados à produção do espaço urbano – incorporadores imobiliários, construtores, administradores de edifícios, sindicatos patronais etc. 5 O tema da composição do Conselho é nevrálgico. O Poder Público precisa estar adequadamente representado. Se predominar, o conselho é mero espaço de legitimação e referendo das decisões previamente tomadas pelo Poder Executivo. Se muito reduzida, os representantes da Prefeitura seriam meros observadores. Também equilibrada a participação da sociedade civil. Não pode haver super-representação de setor algum, o que inibiria os demais. Nem sub-representação, o que debilitaria a representatividade do conselho. Como ensinar à municipalidade a partilhar poder? E “a prefeitura deve ter claro que a existência do conselho – assim como qualquer mecanismo de participação popular na Administração Pública – implica uma partilha de poder. A população, adquirindo voz ativa na gestão da cidade, pode expressar posições contrárias às do Executivo, que deve estar preparado para negociar e ceder em alguns pontos. As tensões e disputas serão tanto maiores quanto maior for o poder atribuído ao conselho”. 6 Há muitas questões pertinentes aos Conselhos. Se criados apenas para atender ao comando normativo, permanecem num baixo grau de institucionalização. Só os que nascem de verdadeiro anseio da sociedade tendem a obter êxito e participação nas políticas públicas municipais. 7 Também é necessário assegurar ao Conselho meios materiais efetivos para funcionar. Tanto com dotação orçamentária própria quanto com suporte técnico para o exercício de suas funções. Há também questões de índole política, o chamado elitismo popular, verificando-se especialização dos representantes na função, restando pouco espaço para o cidadão não engajado em qualquer ONG. Também existe superposição de representações, de acordo com pesquisa do IBAM que apontava os secretários de saúde e as primeiras-damas dos Municípios como integrantes de quase todos os conselhos das pequenas cidades, independentemente da área temática. 8 Outro aspecto é a questão do poder consultivo ou deliberativo dos conselhos. Em regra, apenas o eleito tem poder decisório no regime democrático. Conferir ao conselho poder deliberativo pode gerar ingovernabilidade. Ele não se substitui ao Executivo, nem pode penetrar em áreas para as quais é imprescindível a edição de lei, mas pode opinar sobre a matéria de fundo, oferecendo àqueles poderes um elemento vinculante de forte poder persuasório. Consulte-se o disposto nos incisos X , X , X , X X, XX e XX do art. 5.º da CF/1988. BUCC , Maria Paula Dallari. Op. cit., idem, p. 327, citando NORONHA, Rudolf de. Avaliação Comparativa dos Conselhos Municipais. n: C v l , Maria do Carmo; TE XE RA, Ana Cláudia, organizadores, Conselhos Gestores de Políticas Públicas – Publicações Polis, 37. São Paulo: Polis, 2000. p. 85. O “privado não mercantil” é uma referência às organizações não governamentais e o público não estatal são os conselhos incumbidos de formular ou subsidiar políticas governamentais. BUCC , Maria Paula Dallari. Op. cit., idem, p. 328, citando MASSA-AR ABE, Patrícia. Conselhos de direitos e formulação de políticas públicas. n: BUCC , Maria Paula Dallari e outros, Direitos Humanos e Políticas Públicas – Cadernos Polis. 2. ed. São Paulo: Polis, 2001. p. 33-34. S A, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 64 e 133, Apud BUCC , Maria úcia Dallari. Op. cit., idem, p. 328. CYMBA STA, Renato. Conselhos de Desenvolvimento Urbano. Dicas – Desenvolvimento Urbano 137 (www.polis.org.br). CYMBA STA, Renato. Conselhos de Desenvolvimento Urbano. Cit., apud BUCC , Maria Paula Dallari. Op. cit., idem, p. 329. NORONHA, Rudolf de. Avaliação comparativa. n: CAR A HO, Maria do Carmo; TE - XE RA, Ana Cláudia. organizadoras, Conselhos Gestores de Políticas Públicas – Publicações Pólis 37. p. 86. No mesmo sentido, TE XE RA, Elenaldo Celso. Efetividade e eficácia dos Conselhos. dem, apud BUCC , Maria Paula Dallari. Op. cit., idem, p. 330. NORONHA, Rudolf. Op. cit., nota 13.

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