2.2.2 A confissão

2.2.2 A confissão Outro requisito indispensável à celebração do acordo de leniência é que “a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito” (art. 16, § 1.º, III). Aliás, esse é o traço distintivo em relação aos tradicionais Termos de Ajustamento de Conduta (TAC’s), pelo qual o envolvido apenas se obriga a abandonar certa conduta e, eventualmente, a realizar alguma outra prestação, sem reconhecimento de culpa. 1 Não obstante, a grande questão que surge a partir da exigência de confissão é repercussão desse ato em outras searas. Muitas das condutas descritas na Lei 12.846/2013, assim como nas Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011, constituem crime e ilícito civil. Isso significa que a celebração do acordo de leniência, ainda que isente ou atenue as sanções em sede administrativa, deixará a pessoa jurídica e seus gestores extremamente vulneráveis nos âmbitos civil e criminal. A solução consistiria em envolver todas as esferas num só acordo, a fim de que a empresa tivesse a noção exata das consequências de sua leniência. Ocorre que a Lei 12.846/2013 não contempla tal possibilidade. A Lei 12.529/2011, sim, prevê a extinção da punibilidade criminal para os que celebrarem acordo de leniência relativo às infrações contra a ordem econômica: “Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, de- termina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo”. A falta de previsão semelhante na Lei 12.846/2013 é um fator de intenso desestímulo à celebração de acordos de leniência. Como em todo acordo, a opção da empresa pela leniência será precedida de uma análise da relação custo-benefício. Essa relação ficará extremamente desequilibrada caso a pessoa jurídica tenha como benefício apenas a extinção de algumas sanções e a redução de outras, assumindo, em contraposição, o custo de prováveis condenações, suas e de seus dirigentes, em ações penais, de improbidade administrativa e de responsabilização judicial com base na própria Lei 12.846/2013 (art. 18). O mais provável, nessa hipótese, é que a empresa opte por enfrentar o processo, defendendo-se com todos os meios e recursos inerentes ao contraditório. A esse respeito, confira-se o magistério de Ibrahim Acácio Espírito Sobral: “Em princípio, de nada adiantaria a um particular assinar um acordo de leniência com a SDE, se, mesmo após o acolhimento do acordo pelo Cade e consequente extinção da ação punitiva da Administração Pública contra o denunciante, ele fosse ser alvo de uma ação penal promovida pelo Ministério Público. Não haveria, assim, um benefício substancial para o denunciante, que seria alvo de novo processo de investigação e julgamento. A limitação do acordo de leniência à esfera administrativa restringe o potencial de aplicabilidade e de atratividade do acordo”. 2 Portanto, caso o legislador queira efetivamente incentivar a celebração de acordos de leniência, é imperiosa a adição de novos dispositivos na Lei 12.846/2013. Primeiro, estendendo o acordo de leniência às pessoas físicas integrantes da pessoa jurídica envolvida. Segundo, prevendo que a celebração do acordo de leniência impede o oferecimento de denúncia criminal e a propositura de ação de improbidade administrativa em relação ao beneficiário da avença. Uma vez cumprido o acordo, extingue-se automaticamente a punibilidade. Enquanto a lei não é aprimorada, a alternativa é convidar os órgãos do Ministério Público competente a participarem do acordo. Nessa hipótese, o acordo de leniência seria “considerado como um acordo de delação premiada”, 3 desde que a legislação penal aplicável o admita. É o que sugerem, Pierpaolo Bottini, Ricardo Inglez de Souza e Ana Fernanda Ayres Deliosso ao tratarem dos Termos de Cessação de Conduta celebrados pelo Cade, os quais, diferente- mente do que ocorre com o acordo de leniência naquele âmbito, não impedem o oferecimento de denúncia criminal. Todavia, os próprios autores reconhecem que há um “problema de segurança jurídica” 4 nessa alternativa. Primeiro, entende-se que mesmo com a celebração do acordo a ação penal seria obrigatória e indisponível: “Bem por isso, tendo em vista os escassos contornos legais sobre o instituto da delação premiada, somente se pode admiti-la, com segurança, como previsão de direito material para redução de pena, após o decorrer de um devido processo legal, com ampla atividade instrutória, no qual inclusive deve haver possibilidade de absolvição do investigado”. 5 E mesmo que se entendesse que a celebração do acordo dispensaria a propositura da ação penal, subsistiria a “dúvida sobre a suficiência da assinatura de um membro do Ministério Público a impedir que outro membro do mesmo órgão ministerial venha, posteriormente, ingressar com ação penal contra olenientes”. 6 Isso porque um dos princípios institucionais do Ministério Público é precisamente o da “independência funcional” (CF, art. 127, § 1.º). Tudo o que se expôs acima se aplica às ações de improbidade administrativa e à responsabilização judicial prevista no art. 19 da Lei 12.846/2013, eviden- ciando que o acordo de leniência tal como delineado no art. 16 é pouquíssimo atrativo às pessoas jurídicas. No âmbito do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, conquanto o reconhecimento de culpa não seja requisito da Lei 12.529/2011 para a celebração de compromisso de cessação de conduta, o art. 186 do Regimento Interno do Cade veicula tal exigência nos casos em que houver acordo de leniência anterior, o que tem sido objeto de divergência doutrinária. Sobre o tema, confira-se: BOTTINI, Pierpaolo; SOUZA, Ricardo Inglez de; DELLOSSO, Ana Fernanda Ayres. A nova dinâmica dos acordos de cessação de práticas anticoncorrenciais no Brasil. Revista do IBRAC – direito da concorrência, consumo e comércio internacional. vol. 23. p. 117, Jan. 2013; VICENTINI, Pedro C. E. A confissão de culpa nos termos de compromisso de cessação... cit., p. 252.; SAITO, Carolina. O termo de compromisso de cessação de prática e o reconhecimento de culpa cit., p. 13. SOBRAL, Ibrahim Acácio Espírito. O Acordo de Leniência: Avanço ou precipitação? cit., p. 137 BOTTINI, Pierpaolo; SOUZA, Ricardo Inglez de; DELLOSSO, Ana Fernanda Ayres. A nova dinâmica dos acordos de cessação de práticas anticoncorrenciais no Brasil cit., p. 117. Idem, ibidem. Idem. GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste cit., p. 260. No mesmo sentido: BITTAR, Walter Barbosa. A delação premiada no Brasil cit., p. 154

Infrações e Sanções em Licitações e Contratos Administrativos: Com as Alterações da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013)

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