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Bruno Marzullo Zaroni
Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Visiting Scholar na Columbia University. Professor da Universidade Positivo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.
Um aspecto crucial no âmbito do julgamento colegiado de muitas Cortes estrangeiras, e que aqui se pretende examinar à luz do procedimento decisório do STF, diz respeito ao regime de transparência da deliberação judicial. Embora, tal como aqui, os atos processuais sejam regidos pelo princípio da publicidade, tal postulado é excepcionado em muitas Cortes estrangerias quando o colegiado entra em reclusão para deliberar. Logo, o debate interno do colegiado é feito à margem do acompanhamento público.
Em certa medida, seja pela tradição, seja por razões institucionais, a existência de uma fase de deliberação sigilosa do colegiado não é vista com desconfiança em tais Cortes, já que não abrange todas as etapas do julgamento em si, mas apenas a fase de discussão para a concepção colegiada da decisão. Invariavelmente, na sequência, o resultado dessa deliberação será comunicado à sociedade por meio de uma decisão devidamente motivada. 1 Logo, ainda que não se dê ciência ao público da discussão havida intramuros, o produto da deliberação e seus fundamentos são oficialmente divulgados. 2
Para além disso, outra justificativa para o sigilo da deliberação judicial decorre da dinâmica que esta assume no âmbito de cada arranjo institucional.
Ora, é importante registrar que muitas Cortes estrangeiras – destacando-se as europeias e a Suprema Corte dos Estados Unidos – reservam distintos momentos de seu procedimento decisório para a deliberação intrainstitucional.
A título de exemplo, no modelo continental europeu, em que pese a previsão de uma sessão de deliberação ao cabo do procedimento decisório, parte significativa da interação discursiva acontece, em verdade, de forma antecipada e fragmentada desde a designação do relator. Este, a partir daí, vai interagir com o colegiado e com determinados personagens presentes em cada arranjo institucional em particular, a fim de elaborar uma proposta de decisão que, ao final, seja apta a ser aceita pelo colegiado. 3
Portanto, a deliberação nem sempre é reservada a um momento pontual do processo decisional, mas pode se manifestar, formal e informalmente, em distintas ocasiões, encontrando na sessão de deliberação apenas o seu arremate.
Em outros casos, como sucede no âmbito do processo decisório da Suprema Corte norte-americana, a dinâmica é inversa: a deliberação tem como ponto de partida o encontro formal do colegiado na conference – no qual se debate e se toma uma decisão ainda provisória sobre o caso –, mas se desenrola verdadeira e substancialmente por uma extensa fase de redação e intercâmbio de votos entre os Justices.
O exemplo norte-americano é bastante emblemático para a compreensão do sigilo da deliberação judicial. Mesmo com a confidencialidade da conference, a Suprema Corte é reputada um dos entes estatais mais transparentes dos Estados Unidos. Suas decisões originam-se de processos públicos, as partes têm a oportunidade de dirigir-se aos Justices formalmente por petições (briefs) e por ocasião da sessão de sustentação oral, 4 sendo vedadas quaisquer interações com a Corte destituídas de oficialidade e de publicidade. Ao cabo desse procedimento, as decisões, acompanhadas de sua fundamentação, são anunciadas oralmente pelos Justices e depois publicadas. 5
Nesse contexto, prevalece a ideia de que pouco adiantaria dar publicidade aos debates havidos na conference, se a deliberação ali sucedida é abreviada e marcada pela provisoriedade. O desenvolvimento e conclusão da deliberação principiada neste encontro formal do colegiado dar-se-á, em verdade, na fase subsequente de deliberação por escrito, 6 que pode, inclusive, redundar na alteração do que fora preliminarmente decidido. É o que a doutrina norte-americana denomina de “fluidez da escolha judicial”. 7
Dando conta disso, relata o antigo presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, William Rehnquist, que a preparação e o compartilhamento da opinion entre o colegiado, seguida da circulação de memorandos contendo sugestões e críticas ao texto – que pode vir a ser modificado diversas vezes –, além dos eventuais dissensos que possam surgir, envolve um procedimento complexo, que pode consumir meses de trabalho. 8 Seria operacionalmente impossível e de questionável proveito outorgar publicidade a uma dinâmica deliberativa de tamanha fluidez e complexidade. 9
Logo, tanto no modelo europeu quanto no norte-americano, a deliberação intrainstitucional não é instantânea, de sorte tal a ser captada prontamente por um observador externo. Ela flui por diferentes meios (oral e escrito) de forma continuada, até que, ao cabo deste processo, se condensa numa decisão deliberativa escrita apta a ser publicada.
Ademais, no que diz respeito especificamente ao modelo de deliberação das Cortes europeias, outra justificativa para o regime de confidencialidade da reunião do colegiado decorre do fato de que a maioria das Cortes adota o modelo de decisão per curiam. 10 Vale dizer, as decisões são proferidas em nome Corte, enquanto instituição, de forma unânime e anônima. Cabe registrar que o anonimato decorre do fato de que, conquanto haja um juiz responsável pela redação do texto, tal informação não é exposta ao público. Por força da colegialidade, a autoria da decisão é da Corte. 11
Simultaneamente, a decisão é dita unânime, porque não se permite, como regra, a divulgação dos desacordos porventura existentes no interior da Corte. Se houve embates intramuros e, ao cabo disso, o julgamento resultou numa fragmentação do colegiado, tal circunstância não é divulgada.
Logo, a confidencialidade da deliberação tem por escopo justamente ocultar o dissenso no colegiado e exprimir certeza no que diz respeito à interpretação do direito. 12 Em grande medida, tal aspecto se explica pelo fato de que o juiz da civil law é tradicionalmente visto como um técnico isento, que deve …
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