7.4 Efeitos da desconsideração da personalidade jurídica

7.4 Efeitos da desconsideração da personalidade jurídica A criação da pessoa jurídica opera efeitos tanto no plano do direito mate- rial, quanto no plano do direito processual. No plano do direito material, ocorre a distinção entre a sociedade e a pessoa dos sócios, com sua existência individual como titular de direitos e obrigações. 1 E, no plano processual, a criação da pessoa jurídica reflete-se na separação da responsabilidade que recai sobre o patrimônio social e o patrimônio pessoal dos sócios. Conforme visto, a desconsideração da personalidade jurídica gera efeitos no plano do direito processual, tornando inoponível (ou relativamente ineficaz) o limite existente entre os patrimônios da empresa e do sócio, permitindo que bens existentes no patrimônio do segundo respondam pela satisfação forçada da obrigação assumida pelo primeiro. Em outras palavras, o modo pelo qual o instituto da desconsideração da personalidade jurídica atua, consiste em garantir a efetividade do processo de execução por meio da criação de hipótese excepcional de responsabilidade executória de bens existentes em patrimônio de terceiro. Ou, para se valer da terminologia utilizada por Liebman, 2 opera mediante a criação de hipótese de responsabilidade executória secundária, permitindo que os atos de execução incidam sobre bens existentes em patrimônio de terceiro, em circunstâncias específicas, expressamente previstas em lei. Incide, pois, neste caso, o disposto no inc. VII do art. 790 do CPC/2015, segundo o qual “ficam sujeitos à execução os bens do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica”. Vale dizer, desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade, a atividade executiva que visa satisfazer coativamente determinada obrigação passa a incidir não só sobre bens existentes no patrimônio da sociedade, mas também sobre aqueles existentes no patrimônio do sócio. Tal dispositivo combina-se com o art. 795 do mesmo Código, que estipula que “os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei”, podendo o sócio exigir que a execução incida, primeiro, sobre os bens da sociedade (§ 1.º do art. 795) capazes de assegurar a satisfação do crédito. Daí por que o § 2.º do art. 795 do CPC/2015 estabelece, expressamente, que “incumbe ao sócio que alegar o benefício do § 1.º nomear quantos bens da sociedade situados na mesma comarca, livres e desembargados, bastem para pagar o débito”. Pode-se dizer, portanto, que os casos que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica se inserem – juntamente com as hipóteses de fraude de execução e de fraude contra credores – no gênero das circunstâncias previstas em lei que autorizam o credor a usar meios repressivos contra a frustração da atividade jurisdicional executiva, permitindo a prática de atos executivos sobre bens existentes em patrimônio de terceiro. Os efeitos decorrentes da desconsideração da personalidade jurídica, da decretação da fraude de execução e da procedência da ação pauliana ao reconhecer a fraude contra credores são os mesmos: os limites dos patrimônios do devedor e do terceiro tornam-se inoponíveis (relativamente ineficazes) em relação à atividade jurisdicional executiva que seria frustrada, caso a eficácia de tais limites não fosse relativizada. 3 A desconsideração da personalidade jurídica difere da fraude à execução e da fraude contra credores porque a responsabilidade secundária por ela gerada não recai apenas sobre um ou alguns dos bens do patrimônio do terceiro (no caso, bens que foram alienados ou onerados em fraude à execução ou fraude contra credores), mas sobre a totalidade dos bens existentes no seu patrimônio, excetuados apenas os bens não sujeitos à penhora, como o imóvel protegido como bem de família. 4 Em linhas mais largas, poder-se-ia dizer que os bens onerados ou alienados em fraude de execução respondem pela satisfação forçada da obrigação como se não tivessem saído do patrimônio do devedor. Já nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, os bens do sócio respondem como se tivesse sido ele, sócio, quem também houvesse assumido a obrigação e não apenas a sociedade. A locução “como se tivesse sido”, aqui, é importante. O sócio não é responsável executivo primário como a sociedade devedora. Ao contrário, é necessário o pronunciamento judicial para reconhecer sua responsabilidade como nos outros casos de responsabilidade executiva secundária. Era o que dispunha claramente o art. 20 do CC/1916 : “Art. 20. As pessoas jurídicas tem existência distinta da dos seus membros. Apesar de o texto desse artigo não ter sido repetido pelo Código Civil de 2002, não se pode negar que o ordenamento jurídico brasileiro admite a existência autônoma da sociedade em relação ao seus sócios. Liebman, Enrico Tullio. Processo de execução..., cit., p. 95. Considerando-se a concepção segundo a qual a decretação da fraude contra credores também tem por consequência a ineficácia ou inoponibilidade do ato, e não a sua anulação, como textualmente prevê o atual art. 158 do CC e, antes dele, previa o art. 106 do CC revogado. Nessa linha, apenas para citar alguns autores, cf. Theodoro Júnior, Humberto. Fraude contra credores: A natureza da sentença pauliana. 2. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 242; Hanada, Nelson. Da insolvência e sua prova na ação pauliana. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 92-127 e Dinamarco, Cândido Rangel. As fraudes do devedor. In: Dinamarco, Cândido Rangel. Instituições..., cit., n. 1602, p. 423. Em relação à natureza jurídica da desconsideração da personalidade jurídica como situação de ineficácia relativa, cf. Bruschi, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 45. Caso se considere que a procedência da ação pauliana efetivamente anula o negócio jurídico celebrado em fraude, a consequência será o retorno do bem ao patrimônio do devedor. Nesse sentido, já decidiu a jurisprudência do STJ que: STJ, REsp 1.433.636/SP , 4.ª T., j. 02.10.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15.10.2014: “A desconsideração da personalidade jurídica, por si só, não afasta a impenhorabilidade do bem de família, salvo se os atos que ensejaram a disregard também se ajustarem às exceções legais. Essas devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo, por analogia ou esforço hermenêutico, apanhar situações não previstas em lei, de modo a superar a proteção conferida à entidade familiar”. A situação é o contrário, por exemplo, do que decide o STJ nos casos de fraude à execução: STJ, AgRg no AREsp 334.975/SP , 4.ª T., j. 07.11.2013, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 20.11.2013: “Afasta-se a proteção conferida pela Lei 8.009/1990, quando caracterizada fraude à execução”.

Fraudes Patrimoniais e a Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Processo Civil de 2015 - Ed. 2016

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