7.6 A forma de desconsideração da personalidade jurídica antes do Código de Processo Civil de 2015

7.6 A forma de desconsideração da personalidade jurídica antes do Código de Processo Civil de 2015 Antes da promulgação do Código de Processo Civil de 2015, o ordenamento jurídico brasileiro se ressentia de lacuna em relação à disciplina processual da desconsideração da personalidade jurídica, o que gerava grande divergência na doutrina e na atuação dos vários órgãos do Poder Judiciário quanto (i) ao momento processual e à forma de se apurar a existência dos atos que podem dar ensejo à desconsideração; (ii) quanto à iniciativa para se pleitear a sua decretação; (iii) ao modo de se ampliar os limites da responsabilidade executiva para se abranger também os bens do sócio; e (iv) ao meio de defesa à disposição do sócio para impugnar essa pretensão dirigida contra seus bens. Por exemplo, não havia consenso sobre a possibilidade de se decretar a desconsideração da personalidade jurídica de ofício; sobre a necessidade de abertura de oportunidade própria para o exercício do contraditório prévio pelo sócio; sobre o meio de defesa do sócio, se por embargos de terceiro, por impugnação ao cumprimento de sentença ou por embargos do devedor; 1 ou, ainda, sobre a natureza da decisão que acolhia ou rejeitava o pedido de desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, quanto ao recurso cabível contra ela. Sobre a forma de aplicação do instituto, a situação é bem resumida na obra de um autores desse livro: “(...) há duas correntes doutrinárias sobre a forma de aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica: qual o momento oportuno e como deve o juiz aplicá-la. A primeira corrente defende a ideia de que há necessidade de processo autônomo, uma ação de conhecimento paralela à execução para que nela se possa formar um novo título executivo judicial que permita invadir a esfera patrimonial do sócio ou representante da pessoa jurídica devedora, fazendo com que ele ingresse no polo passivo da execução. A segunda corrente, à qual nos filiamos, propugna que a desconsideração ocorre, de forma incidental, na própria execução, mercê de simples comprovação da existência de fraude, ou má utilização da pessoa jurídica”. 2 Prevalecia na doutrina e, sobretudo, na jurisprudência o entendimento de que a desconsideração da personalidade jurídica poderia ser decretada incidentalmente no processo, tanto na fase de conhecimento quanto na de execução, incluindo-se o sócio no polo passivo do processo, 3 com anotação no ofício distribuidor e permitindo-se a penhora de seus bens (caso o processo já estivesse em fase de execução). A defesa do sócio se dava por meio de embargos de terceiro, sendo limitada a cognição à configuração ou não da hipótese de desconsideração da personalidade jurídica e à liberação dos bens constritos. 4 Houve, no entanto, forte reação a esse estado de coisas, defendendo-se, ao menos, a criação de uma situação intermediária, com a inclusão do sócio no polo passivo do processo na fase de conhecimento ou a instituição de um incidente cognitivo no curso da fase de execução para que o sócio pudesse exercer o contraditório antes da constrição de seus bens. 5 São exemplos dessa reação o PL 3.401, de 24.04.2008, que já previa a criação de um incidente processual prévio à decretação da desconsideração da personalidade jurídica e à constrição de bens do sócio, e o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco, 6 segundo o qual: “(...) tendo a desconsideração da personalidade jurídica o efeito de instituir uma responsabilidade e não uma obrigação, poderia haver alguma resistência a apontar o sócio já na fase de conhecimento, instaurada com o pedido de condenação da sociedade a pagar uma importância, como legitimado para ali figurar no polo passivo, ou seja, como réu da demanda proposta. (...) é porém mais que razoável, todavia, aceitar sua legitimidade passiva sempre que razoavelmente se puder antever a insuficiência patrimonial do real obrigado, que é o ente associativo. (...) Não feito isso, ou sempre que o título executivo for extrajudicial, é no procedimento executivo que se fará o acertamento da situação capaz de conduzir àquela desconsideração. Positivando-se que a sociedade não disponha de suficiente patrimônio responsável, a pedido do exequente, citar-se-á o sócio, ou sócios, abrindo-se logo em seguida uma instrução destinada a apurar sua responsabilidade patrimonial. As disposições legais referentes aos procedimentos executivos não oferecem abertamente dilações dessa ordem, mas é imperioso instituir um incidente inicial na execução, ainda que sem lei expressa a respeito, porque do contrário não se poderia chegar legitimamente à responsabilidade daquele cujo patrimônio o exequente pretende captar pela penhora”. Entendendo que a desconsideração acarretaria numa forma de litisconsórcio ulterior, fazendo com que o sócio ou a empresa passe a ser incluído no polo passivo, defendendo-se como parte, ver: Souza, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Bruschi, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração ..., cit., p. 83. Havia, também, na jurisprudência, entendimento de que não era necessária inclusão no polo passivo da execução em virtude de não passar a ser parte no processo, permanecendo como terceiro responsável que teria bens penhorados em virtude da desconsideração. Entre outros: TJSP, Ap 992.07.061041-9, 35.ª Câm. de Direito Privado, j. 25.10.2010, rel. Des. José Malerbi: “A desconsideração da personalidade jurídica decretada nos autos não ensejou a inclusão dos sócios no polo passivo da demanda. Por isso, o sócio que teve bem particular arrematado não tem legitimidade para propor a medida em tela, a qual, em regra, é privativa do devedor – Há de se observar, no caso, a diferenciação entre legitimidade passiva da execução e responsabilidade patrimonial – Apelo improvido”. Cf. nesse sentido, Cais, Frederico Fontoura. Fraude de execução. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 43-44: “na prática, verifica-se que os magistrados não agem de maneira uniforme: alguns decidem determinar a penhora dos bens dos sócios, de ofício ou a pedido do credor, sem proferir qualquer decisão estendendo a eficácia do título e sem mesmo intimá-los ou citá-los (…); outros magistrados ampliam a eficácia do título, determinando apenas a intimação pessoal dos sócios, isto é, sem citá-los (…). Ao sócio que teve os bens indevidamente penhorados e não foi citado, a lei permite a oposição de embargos de terceiro”. Na jurisprudência: TJSP, Ap 148.388-4/SP, 10.ª Câm. de Direito Privado, j. 21.03.2000, rel. Des. Souza José: “Desconsideração da personalidade jurídica de sociedade embora o patrimônio dos sócios em princípio responda pela dívida, não tendo sido citados estes não figuram como parte na execução – Legitimidade e interesse para opor embargos de terceiro”. Um dos autores da obra, Gilberto Gomes Bruschi, em sua dissertação de mestrado defendida em 2003 já sugeria a criação de um incidente de desconsideração, ver: Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira Ed., 2004. n. 9.3, p. 105-108. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. vol. 1, p. 546-547.

Fraudes Patrimoniais e a Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Processo Civil de 2015 - Ed. 2016

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