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Mariana Madera Nunes
Mestranda em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Professora de cursos de pós-graduação em ciências criminais (UCSal e ESA). Coordenadora-Chefe do Departamento de Ações perante os Tribunais do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).Ex-assessora de Ministro no Supremo Tribunal Federal. Advogada.mariana_madera@hotmail.com
A amplitude da proteção garantida pelo habeas corpus está assegurada no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, pois se trata de um instrumento constitucional de tutela da ofensa do direito fundamental à liberdade de locomoção, ainda que eminente. Ao Supremo Tribunal Federal cabe o exame das impetrações nas quais figuram como pacientes pessoas detentoras da prerrogativa de serem julgadas pelo Tribunal ou que tenham como objeto atos atentatórios da liberdade praticados por Tribunais Superiores – artigo 102, inciso i, alíneas d e i, da Carta Política. Assim, estará aberta a jurisdição do STF sempre que algum pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral ou do Superior Tribunal Militar implicar restrição ao direito de ir e vir do cidadão. Isso resulta na formalização de imenso e sempre crescente volume de processos 1 , o que é incompatível com o perfil de uma corte constitucional.
É nesse contexto que o Supremo vem adotando postura restritiva quanto ao cabimento de habeas corpus, inclusive com a edição de verbetes sumulares, especificando situações que autorizam, colegiada e monocraticamente, o não conhecimento da referida ação autônoma de impugnação. Tal cenário merece ser alvo de cuidadosa análise crítica, questionando-se em que medida as limitações impostas pelo STF ao exame de certas impetrações, processualmente caracterizadas pela simplicidade e celeridade, resultam em mitigação da própria garantia constitucional.
Conquanto existirem restrições à adequação do habeas corpus relacionadas às matérias veiculadas por meio de tal via processual – a exemplo do contido no verbete da Súmula nº 695 , que dispõe não ser cabível o habeas quando já extinta a pena privativa de liberdade 2 –, o objetivo do presente tópico é elencar, tendo em vista a extensão do remédio constitucional, os entraves processuais impostos pelo Supremo ao cabimento do writ, de modo a permitir uma melhor compreensão dos motivos que embasam tais pronunciamentos. Por meio do estudo do tratamento dispensado pela doutrina e da análise da jurisprudência das Turmas e do Pleno do STF, busca-se aferir o verdadeiro alcance do instituto no âmbito da Corte, com a finalidade de conciliar a larga e, muitas vezes, indiscriminada utilização do habeas corpus perante o Tribunal e a própria grandeza da tutela do direito à liberdade de ir e vir.
“Sempre que algum povo (digamos algum regime, porque nem sempre se ouve o Povo, e às vezes se fazem Constituições e leis, sem que êle opine), permite constrangimento à liberdade física sem a necessária tutela jurídica dos sofredores, começa a decadência ou a mudança violenta” 3 . A Carta Cidadã de 1988 outorgou, no artigo 5º, inciso LXVIII, segundo o qual será concedido habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação ao direito de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder, proteção constitucional expressa à liberdade de locomoção.
“O habeas corpus constitui remédio mais ágil para a tutela do indivíduo e, assim, sobrepõe-se a qualquer outra medida” 4 . Trata-se, nas palavras de Pontes de Miranda 5 , do instrumento jurídico processual mais eficiente em todos os tempos, voltado à tutela do direito de ir, vir e ficar. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos 6 , no artigo 7.6, impossibilita a restrição ou abolição dessa ferramenta de defesa da liberdade pessoal, e, no art. 25.1, estipula tratar-se de medida simples, rápida e necessariamente eficaz.
O habeas corpus não pressupõe decorrer a ilegalidade de decisão em processo não transitado em julgado ou, para além disso, de ação penal instaurada 7 , podendo ser utilizado para impugnar de atos de inquérito policial, de recebimento da denúncia ou de sentença de pronúncia e condenação e ainda de particulares. “A liberdade de locomoção há de ser entendida de forma ampla, não se limitando a sua proteção à liberdade de ir e vir diretamente ameaçada, como também toda e qualquer medida de autoridade que possa afetá-la, ainda que indiretamente” 8 .
Tradicionalmente, no entanto, na acepção anglo-saxã, o instrumento processual destinar-se-ia apenas à proteção do direito ambulatorial, de ir e vir 9 . “Na Inglaterra e nos Estados Unidos, só se concede o habeas corpus para garantir a liberdade individual, pessoal; e liberdade pessoal, no conceito por todos admitidos, quando se trata deste remédio judicial, é a liberdade de locomoção. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, não se concede habeas corpus para outros fins, para proteger outros direitos” 10 .
No caso Castillo Páez versus Peru, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu configurada a violação ao artigo 25 da Convenção Americana, apontando a ineficácia do habeas corpus impetrado junto à Corte Suprema de Justiça para resguardar a liberdade e, possivelmente, salvar a vida de Ernesto Rafael Castillo Páez. Nos termos do precedente da CIDH, o direito a um recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes corresponde a um dos pilares básicos da Convenção e do próprio Estado Democrático de Direito 11 .
Nessa linha, segundo a Opinião Consultiva 8 da CIDH, de 30 de janeiro de 1987, que trata da suspensão da garantia judicial do habeas corpus, a limitação do HC nos regimes de exceção da América Latina contribuiu para que ocorressem desaparecimentos, torturas e homicídios tolerados pelos governos que instituíam situações emergenciais (guerra, estado de sítio, perigo público etc.), já que alberga, no seu conteúdo, a salvaguarda de uma plêiade de direitos 12 .“Portanto, para além da proteção da liberdade física ou pessoal, o habeas corpus destina-se à proteção da vida, dos maus tratos, da tortura, dos desaparecimentos, dos danos físicos e sociais; em suma, sua funcionalidade assecuratória atinge todo o sistema dos direitos humanos e fundamentais em uma sociedade democrática” 13 .
Daí a importância de se delimitar o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal no tocante à tutela do direito de locomoção considerada a …
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