Posfácio à 2ª Edição

Mário Luiz Delgado Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco – USP. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Membro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP. Presidente da Comissão de Direito de Família e das Sucessões do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil – ABDC. Foi assessor da relatoria geral do projeto de lei que deu origem ao atual Código Civil brasileiro. Autor e coautor de várias obras jurídicas. Advogado e parecerista. Conferencista. Esta é a segunda obra de Ezequiel Morais que tenho o prazer de examinar, dessa vez com o compromisso, não de apresentar ou prefaciar, mas de “posfaciar”, com a licença do neologismo. Mas a honraria é mesma. E não que sejam apenas duas obras. Desde quando nos conhecemos, no início da década passada, já são pelo menos dez livros, entre trabalhos autorais e obras coletivas, ao lado de alguns dos maiores nomes da civilística nacional. O que comprova aquilo que desde o início se antevia: a sua pujança intelectual, o zelo acadêmico, a cultura jurídica consolidada, tudo a contribuir para essa notável desenvoltura na exposição dos temas a que se propõe a tratar. A obra, que já se destacava pela excelência e profundidade das abordagens, vem, agora, em sua segunda edição, com o conteúdo ampliado, revisto e atualizado, de acordo com a Lei do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado – RJET (Lei n. 14.010/2020), com a Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019), com a Lei Geral de Proteçâo de Dados Pessoais (Lei n. 13.709/2018), com a Lei do Distrato (Lei n. 13.786/2018), com a Lei do Superendividamento (Lei n. 14.181/2021) e com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 14.133/2021).O foco de estudo do autor é a boa-fé objetiva pré-contratual e os deveres anexos de conduta, em que traz uma contribuição decisiva para a correta apreensão de questões técnicas, cuja especificidade muitas vezes afasta o interesse daqueles não versados na matéria. Partindo de uma nova ordem constitucional principiológica, cujos princípios são compreendidos pelo autor como mecanismo balizador da lei e forma de resguardar o interesse social e o sinalagma contratual, Ezequiel Morais defende que a aplicação do princípio da boa-fé objetiva e dos seus respectivos deveres anexos, como os de cooperação, informação plena, lealdade, respeito, confiança, entre outros, não apenas preenchem lacunas, mas contribuem, essencialmente, para evitar injustiças. Todos esses deveres se impõem inclusive na fase pré-contratual, desde as negociações preliminares ou punctação até a proposta ou policitação, e sua violação pode gerar o dever de indenizar. Com objetividade, demonstra que a solidariedade, a confiança e o cuidado, além da plena informação, na condição de deveres anexos da boa-fé objetiva, devem ser estritamente “observados em todos os períodos da fase pré-contratual por aqueles que se pretendem contratantes, evitando-se, ao máximo, criar falsas expectativas”. Concluindo, afirma “que a violação de deveres anexos de conduta na fase pré-contratual enseja, sim, responsabilidade – objetiva –, passível de ressarcimento de danos, caso ocorram, e fundamenta-se na tutela da confiança”. Nesse ponto, o autor conseguiu transformar um tema normalmente árido em leitura agradável e de fácil compreensão. Ezequiel também fez um contributo decisivo para a correta exegese do § 242 do Código Civil alemão, esclarecendo, com o concurso de apoio de reconhecidos juristas do Brasil e do exterior, o significado e o âmbito de abrangência da boa-fé objetiva no sentido de modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, que se examina com vistas à manutenção do sinalagma e da relação de equilíbrio entre a prestação e a contraprestação, levando em conta a finalidade concreta do contrato, não só na conclusão e na execução do ajuste de vontades, mas também na fase antecedente, das tratativas, cujo rompimento injustificado constitui fonte geratriz da responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo. Traçando precisa distinção entre as três teorias que procuraram apontar qual deveria ser o critério para a identificação da culpa in contrahendo e sua intrínseca conexão com a violação dos deveres anexos de conduta, a demonstrar desenvoltura e erudição, o autor examina a reforma do BGB de 2001, que implicou a alteração substancial de dezenas de dispositivos relativos às obrigações, ampliando as normas referentes ao inadimplemento (perturbação das prestações) e codificando institutos não escritos, especialmente a questão da responsabilidade pré-contratual. O termo “perturbação das prestações”, empregado no BGB (do alemão Recht der Leistungsstörungen), constitui fórmula doutrinária bem mais ampla do que “inadimplemento”, pois abrange também outros institutos como a impossibilidade, a resolução, a culpa in contrahendo, a alteração das circunstâncias e a violação positiva do contrato. Nesta segunda edição, o autor não se atém ao BGB, mas avança no estudo da legislação comparada, especialmente da China e dos países da União Europeia, com destacada atenção ao direito italiano, chegando a incluir na obra texto de sua autoria, em italiano (Gli obblighi secondari e la pandemia da Covid-19 in Brasile), disponível por QR CODE, versando sobre temas relacionados à pandemia de Covid-19, tais como como La Legge Emergenziale n. 14.010/2020, l’economia e il Covid-19; Doveri secondari di condotta derivanti dal principio della buona fede oggettiva; Dovere di agire secondo ragionevolezza, entre outros. Ezequiel discorre sobre a concretização do princípio da confiança nas tratativas, mostrando as relações entre confiança e boa-fé e a manifestação da confiança como expressão da solidariedade. O autor ainda comenta os diversos enunciados referentes “ao princípio da boa-fé, ao direito a plena informação e à publicidade nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual, que foram aprovados durante as Jornadas de Direito Civil realizadas pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal”, sem esquecer de buscar uma necessária visão do tema pelas lentes do direito comparado, quer nos sistemas de civil law, quer no de common law, apontando as controvérsias verificadas quanto à interpretação e aplicação do princípio da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, especialmente no âmbito da CISG e do UNIDROIT. Nesta segunda edição revista, atualizada e ampliada, a aplicação dos princípios da confiança e da boa-fé se expande para além das relações jurídicas do Direito Privado, sendo tratados, em item próprio, no âmbito do Direito Público, notadamente no que tange à concessão e revogação de incentivos fiscais sem prazo certo ou condições determinadas. Ao final do seu trabalho, o autor se debruça sobre a necessidade de alteração do art. 422 do Código Civil brasileiro, para que passe a contemplar, expressamente, a aplicação da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual, afastando interpretações restritivas do dispositivo. Longe de se se limitar à análise dos projetos de lei sobre o tema, atualmente em tramitação, especialmente o PL 699/2011, Ezequiel infere, com precisão e suporte na análise e no estudo de vários textos legais congêneres, que a redação projetada para o art. 422 poderia ser aprimorada, razão pela qual apresenta a sua própria sugestão de proposta legislativa, o que merece encômios, porquanto mais técnica e mais consentânea com a realidade normativa do artigo 422 do Código Civil. Em tudo Ezequiel Morais merece aplausos, por ter conseguido sintetizar o tema com profundidade, revelando cultura jurídica na análise realizada e bom senso em conseguir condensar, sem sacrificar o essencial. Só o futuro o dirá, mas talvez não seja ousadia nossa prever que a presente obra se tornará um clássico, a influenciar novas perspectivas e abordagens que irão se formar em torno do art. 422 do CC/2002 . É possível que nos tenhamos entusiasmado demais neste posfácio. Mas o entusiasmo reflete a sintonia e a concordância com a linha traçada por Ezequiel Morais. Consideramos, pois, este livro, além de indispensável instrumento de pesquisa, um excelente auxiliar para todos os que desejarem melhor conhecer a disciplina da boa-fé objetiva e dos deveres anexos de conduta. São Paulo, junho de 2021.

A Boa-Fé Objetiva Pré-Contratual - Ed. 2021

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